O livro favorito de Hassan era o Shahnamah, a epopéia dos antigos heróis persas do século X. Gostava de todos os capítulos, os shahs do passado, Feridoun, Zal e Rudabeh. Sua História Favorita, porém, e minha também, era “Rostam e Sohrab”, um conto sobre o grande guerreiro Rostam e seu cavalo velocíssimo, Rakhsh. Durante uma batalha, Rostam fere mortalmente seu valente adversário, Sohrab, e acaba descobrindo que o rapaz é, na verdade, o filho que tinha perdido há muito tempo. Atormentado pela dor, Rostam ouve as últimas palavras do filho moribundo:
Se sois efetivamente meu pai, então manchastes vossa espada com o sangue do vosso filho. E fizestes isto por vossa própria obstinação. Pois procurei convertê-lo ao amor e implorei chamando o vosso nome, já que julguei encontrar em vós as qualidades de que minha mãe tanto falava. Mas foi em vão que apelei para vosso coração, e, agora, é tarde demais para qualquer aproximação...
- Leia outra vez, por favor, Amir agha – dizia Hassan. Às vezes ficava com os olhos cheios de lágrimas enquanto eu lia a passagem e, nessas horas, sempre me perguntei por quem ele estaria chorando: seria pelo sofrimento de Rostam, que rasga as próprias roupas e cobre a cabeça com cinzas, ou pelo moribundo Soharab, que só desejava o do pai? Eu, pessoalmente, não era capaz de perceber a tragédia do destino de Rostam. Afinal de contas, todos os pais, no fundo de seu coração, não abrigam o desejo de matar os filhos?
***
“Há muito, muito tempo atrás houve um guerreiro incansável, corajoso como ninguém, que vivia no Irã. Todos os que o conheciam o amavam. Eles o chamavam Rüstem, e assim também o chamaremos. Certo dia, quando caçava, ele se perdeu na floresta, e à noite, enquanto dormia, perdeu o cavalo. Enquanto procurava Raksh, seu cavalo, Rüstem foi parar em Turan, que era uma terra inimiga. Mas como sua fama o precedeu, eles o trataram bem. O xá de Turam acolheu-o como hóspede e organizou uma festa em sua homenagem. Depois da festa a filha do xá procurou Rüstem em seu quarto para declarar seu amor por ele. Ela lhe disse que queria ter um filho seu. Ela o seduziu com sua beleza e com suas belas palavras, e logo os dois estavam fazendo amor.
“Na manhã seguinte, Rüstem voltou para seu país, mas deixou uma lembrança – um pequeno bracelete – para que o filho que ia nascer. Quando a criança nasceu, chamaram-no Suhrab, então assim também vamos chamá-lo. Anos depois, sua mãe lhe contou que seu pai eram ninguém menos que o legendário Rüstem. ‘Eu vou para o Irã’, disse o rapaz, ‘para deporo perverso xá Keykavus e colocar meu pai no lugar dele... e então vou voltar para Turan e fazer exatamente a mesma coisa com o perverso xá Efrasiyab, e quando tiver feito isso, assumo o lugar dele. E então meu pai Rüstem e eu reinaremos com justiça sobre o Irã e Turan – em outras palavras, todo o universo!’
“Assim falou o puro e generoso Suhrab, mal sabendo que seu inimigos eram muito mais espertos e astutos que ele. Porque Efrasiyab, o xá de Turan, dava seu apoio na guerra contra o Irã, mas ao mesmo tempo colocou espiões no exército para garantir que Suhrab não iria reconhecer o pai.
“Depois de muitas trapaças, astúcias, cruéis reviravoltas do destino e coincidências, tramadas todas elas, ao que ele sabia, pelo Sublime Todo-Poderoso, chegou o dia em que Suhrab e seu pai Rüstem se viram face a face no campo de batalha, cada um com um exército atrás de si. Nenhum dos dois conhecia o rosto do outro, mas pouco importa: ambos estavam com armadura – e nem é preciso dizer que não se reconheceram. Rüstem, naturalmente, desejava continuar anônimo dentro da sua armadura: do contrário, quele herói à sua frente poderia investir com toda a sua fúria e sua força especialmente contra ele, Rüstem. Quanto a Suhrab, seu coração infantil só parava para se perguntar quem era seu adversário. E assim aconteceu que esses dois grandes e generosos guerreiros, que eram pai e filho, à frente de seus respectivos exércitos e observados por eles, lançaram-se para a frente e sacaram suas espadas.”
Se sois efetivamente meu pai, então manchastes vossa espada com o sangue do vosso filho. E fizestes isto por vossa própria obstinação. Pois procurei convertê-lo ao amor e implorei chamando o vosso nome, já que julguei encontrar em vós as qualidades de que minha mãe tanto falava. Mas foi em vão que apelei para vosso coração, e, agora, é tarde demais para qualquer aproximação...
- Leia outra vez, por favor, Amir agha – dizia Hassan. Às vezes ficava com os olhos cheios de lágrimas enquanto eu lia a passagem e, nessas horas, sempre me perguntei por quem ele estaria chorando: seria pelo sofrimento de Rostam, que rasga as próprias roupas e cobre a cabeça com cinzas, ou pelo moribundo Soharab, que só desejava o do pai? Eu, pessoalmente, não era capaz de perceber a tragédia do destino de Rostam. Afinal de contas, todos os pais, no fundo de seu coração, não abrigam o desejo de matar os filhos?
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“Há muito, muito tempo atrás houve um guerreiro incansável, corajoso como ninguém, que vivia no Irã. Todos os que o conheciam o amavam. Eles o chamavam Rüstem, e assim também o chamaremos. Certo dia, quando caçava, ele se perdeu na floresta, e à noite, enquanto dormia, perdeu o cavalo. Enquanto procurava Raksh, seu cavalo, Rüstem foi parar em Turan, que era uma terra inimiga. Mas como sua fama o precedeu, eles o trataram bem. O xá de Turam acolheu-o como hóspede e organizou uma festa em sua homenagem. Depois da festa a filha do xá procurou Rüstem em seu quarto para declarar seu amor por ele. Ela lhe disse que queria ter um filho seu. Ela o seduziu com sua beleza e com suas belas palavras, e logo os dois estavam fazendo amor.
“Na manhã seguinte, Rüstem voltou para seu país, mas deixou uma lembrança – um pequeno bracelete – para que o filho que ia nascer. Quando a criança nasceu, chamaram-no Suhrab, então assim também vamos chamá-lo. Anos depois, sua mãe lhe contou que seu pai eram ninguém menos que o legendário Rüstem. ‘Eu vou para o Irã’, disse o rapaz, ‘para deporo perverso xá Keykavus e colocar meu pai no lugar dele... e então vou voltar para Turan e fazer exatamente a mesma coisa com o perverso xá Efrasiyab, e quando tiver feito isso, assumo o lugar dele. E então meu pai Rüstem e eu reinaremos com justiça sobre o Irã e Turan – em outras palavras, todo o universo!’
“Assim falou o puro e generoso Suhrab, mal sabendo que seu inimigos eram muito mais espertos e astutos que ele. Porque Efrasiyab, o xá de Turan, dava seu apoio na guerra contra o Irã, mas ao mesmo tempo colocou espiões no exército para garantir que Suhrab não iria reconhecer o pai.
“Depois de muitas trapaças, astúcias, cruéis reviravoltas do destino e coincidências, tramadas todas elas, ao que ele sabia, pelo Sublime Todo-Poderoso, chegou o dia em que Suhrab e seu pai Rüstem se viram face a face no campo de batalha, cada um com um exército atrás de si. Nenhum dos dois conhecia o rosto do outro, mas pouco importa: ambos estavam com armadura – e nem é preciso dizer que não se reconheceram. Rüstem, naturalmente, desejava continuar anônimo dentro da sua armadura: do contrário, quele herói à sua frente poderia investir com toda a sua fúria e sua força especialmente contra ele, Rüstem. Quanto a Suhrab, seu coração infantil só parava para se perguntar quem era seu adversário. E assim aconteceu que esses dois grandes e generosos guerreiros, que eram pai e filho, à frente de seus respectivos exércitos e observados por eles, lançaram-se para a frente e sacaram suas espadas.”
Azul fez uma pausa. Antes de olhar Ka nos olhos, acrescentou numa voz infantil: “Embora eu tenha lido essa história centenas de vezes, sempre sinto um arrepio ao chegar nessa parte, e meu coração dispara. Não sei porque, mas por alguma razão me identifico com suhrab quando ele se preara para matar o pai. Quem poderia querer matar o próprio pai? Que alma poderia suportar a dor desse crime, o peso desse pecado? Especialmente meu próprio Suhrab com seu coração inocente! A única esperança é que a essa altura Suhrab mate seu adversário sem saber quem ele é”.
“Enquanto esses pensamentos perpassam minha cabeça, os dois guerreiros começam a lutar, e numa luta que dura horas nenhum dos dois consegue derrotar o outro. Molhados de suor e exaustos, eles embainham suas espadas. Quando chegamos ao anoitecer do primeiro dia, estou tão preocupado pelo pai, como pelo filho, e quando continuo a história, é como se eu a estivesse lendo pela primeira vez. Ouso sonhar que o pai e o filho não serão capazes de matar um ao outro e encontrarão alguma forma de contornar aquela terrível situação.
“No segundo dia, os dois exércitos se alinham mais uma vez, e mais uma vez o pai e o filho, protegidos por suas armaduras, travam um combate implacável. Depois de uma longa luta, a sorte sorri para Suhrab – mas podemos chamar isto de sorte? – e ele derruba Rüstem do cavalo e o imobiliza no chão. Ele saca da espada e, quando está prestes a cortar o pescoço do pai, falam para ele: ‘No Irã um herói não costuma cortar a cabeça de um inimigo na primeira ocasião. Não o mate; seria cruel demais’. Então Suhrab não mata o pai.
“Quando leio essa parte fico muito confuso. Sinto muito amor por Shrab. Qual o sentido desse destino que Deus traçou para esse pai e esse filho? Quanto ao terceiro dia de luta, um dia que esperei com tanta ansiedade – contra todas as minhas expectativas, ele acaba num instante. Rüstem derruba Suhrab do cavalo e, slatando para a frente, enfia a espada nele e o mata. A rapidez desse ato é terrível, chocante. Quando vê o bracelete e se dá conta de que matou o filho, Rüstem se ajoelha, toma nos braços o corpo do filho e chora.”