sexta-feira, junho 30, 2006

Assédio

Acabei de ver o perigosíssimo filme Assédio, do Bertolucci, e estou completamente espantado. O filme é quase mudo, pouquíssimos diálogos. Uma complexa e profunda história é contada praticamente só com música e imagens. A história se baseia num paradoxo, que escapa no meio do filme da pregação de um padre, comentando a passagem do Gênesis quando Ló se dirige a Sodoma sabendo da sua destruição iminente: “Quem tenta preservar a vida, a perde; quem a perde, fica em segurança”. Nos assuntos mais misteriosos, quem procura não acha, ou acha indo na direção oposta. O par central é formado por pessoas de culturas diferentes, com uma certa dificuldade de comunicação, em posições que não favorecem a confiança. Uma casa vertical com uma imensa escada espiral em torno da qual tudo gira, e um piano que toca sem parar são personagens importantes. As cores, os atores, a levada, a música, a história, as passagens do real para o sonho, os comentários do inconsciente, tudo é ótimo. Minha vontade é contar tudo, detalhadamente. Traduzir em palavras a história visual/musical seria muito divertido. Não falo mais porque não quero estragar a imensa diversão. Fico impressionado por nunca ter nem ouvido falar na existência desse filme, que me foi indicado por um ser tão intangível que parece ter emergido do planeta onde se passa esta história.

quinta-feira, junho 29, 2006

Esperando Bardot

Nelson Motta

Naquele tempo, uma viagem a Búzios era uma aventura que exigia grande paciência, disposição e coragem. Mas o tempo estava do nosso lado, éramos jovens e cheios de energia, era sexta-feira e ficamos dançando cha-cha-cha e hully-gully no Le Bateau até as tantas, quando meu amigo Ratinho propôs a grande aventura. Entusiasmados, decidimos botar o pé, ou melhor, o Fusca, na estrada. De Copacabana fomos até o cais da praça Quinze e entramos numa longa fila de carros que aguardava a chegada da barca que nos levaria a Niterói. Depois de uma longa espera, perdemos a vaga por um carro de diferença e tivemos de esperar a seguinte. Uma hora depois, visivelmente alcoolizados, atravessávamos lentamente a baía de Guanabara sob o céu estrelado, um barco apitava na noite, as luzes da cidade se afastavam como as pérolas de um colar. Com o vento no rosto, cantávamos os novos sucessos da Bossa Nova que tocavam no rádio do carro, João Gilberto, Sylvinha Telles, Nara Leão – não poderia haver trilha sonora mais adequada. De Niterói a Cabo Frio, noite adentro, o Fusca azul enfrentou galhardamente uma pista estreita precariamente asfaltada, cheia de curvas perigosas, bufou e resfolegou numa serra, cruzou pontes balançantes, e duas horas e meia depois chegamos. Quase. Com o dia já amanhecendo entre as salinas, tomamos um café no posto de gasolina na entrada de Cabo Frio e pegamos o caminho para o paraíso.A estrada para Búzios era pouco mais que uma picada aberta no mato, esburacada e poeirenta. Em mais uma hora estaríamos lá, qualquer sacrifício seria bem-vindo diante da possibilidade de ver Brigitte Bardot de perto. Estrela máxima do cinema francês, deusa do sexo que povoava nossas fantasias (e do mundo inteiro), Brigitte veio para o Brasil com o namorado Bob Zagury (um argelino de Ipanema que orgulhosamente a imprensa chamava de “franco-brasileiro”) e se apaixonou por Búzios, uma vila de pescadores onde ninguém a conhecia. Para ela, o Taiti era aqui. Para nós, ela era a encarnação da beleza, da liberdade e do desejo. E Búzios, bem, era uma ruazinha de pedras em frente ao mar azul, com algumas cabanas de pescadores e mais nada. Não tinha luz, gás, água nem telefone. Mas tinha BB! Onde? Perguntamos a um pescador, e ele apontou uma casa de madeira num canto da praia. Subimos numa pequena elevação e nos colocamos atrás de uma grande árvore, em posição privilegiada para a nossa delicada missão, olho vivo e faro fino. Ficamos ali de plantão, caindo de sono, até meio-dia, quando finalmente as janelas verdes se abriram e vislumbramos uma cabeleira loura passando pela sala. Uma Bossa Nova começou a tocar na vitrola. Segunda-feira na faculdade, ninguém vai acreditar. A porta se abriu e, finalmente, em todo seu esplendor, Ela, bronzeada, cabelos ao vento, enrolada num pano estampado. Inundada de luz e alegria, abriu os braços para o sol e, num movimento rápido, desenrolou o pano do corpo, lançou-o ao vento e, nua como em E Deus criou a mulher, correu para o mar azul diante de nossos olhos pasmos e de nossos corações disparados. Na faculdade ninguém acreditou. Quarenta anos depois, saí de Búzios há menos de duas horas, vim escrevendo esta história no laptop e já estou chegando a Ipanema.

Acho ótima a história. Esta mulher é um troço!

quarta-feira, junho 28, 2006

Frio

Hoje, na manhã mais fria do ano, acordei um pouco antes das seis, e logo depois estava de calção e camiseta sentado no skiff, em plena raia. O termômetro da rua marcava onze graus e o vento sul produzia incômodas ondinhas. Nessas condições, o remador inexperiente volta e meia bate a pá numa delas, o que altera a sua trajetória, e a variação da altura do remo balança desconfortavelmente o barco. Fora a água que espirra. Quando se vai a favor quase não se sente o vento, mas quando se chega ao fim da raia o vento gelado bate com tudo nas costas molhadas de suor. Lá pelo quilômetro quatorze começou uma chuva fina e abundante, e só não encostei porque comecei a remar mais rápido pra acabar logo e me animei, completando os dezesseis previstos. Paguei antecipadamente os cajus amigos que vou tomar à noite.

terça-feira, junho 27, 2006

Além de matar o gato

CC – Porquê ser-se curioso?
CF - A curiosidade é aquilo que nos move a querer saber. Sem curiosidade não há ciência. Perguntaram um dia a Einstein o que é que o distinguia das outras pessoas. Ele disse que era uma pessoa como as outras, que talvez a única coisa que tinha de diferente era precisamente uma "curiosidade apaixonada". Fui portanto buscar a Einstein o título do livro. Devemos aprender com os grandes mestres... Einstein tinha uma curiosidade obsessiva, que só a paixão transmite.
CC - Porque é que considera ser importante incentivar a «curiosidade apaixonada» do público?
CF - A mensagem a transmitir ao público é a de que a ciência se faz com curiosidade e paixão. Aliás isso não é exclusivo da ciência, há outras actividades humanas que se podem fazer com curiosidade e paixão...

segunda-feira, junho 26, 2006

Ainda São João

Estava procurando na minha estante caótica uma versão supostamente fiel às primeiras que eu li há muito tempo atrás da lenda de Tristão e Isolda – que eu me lembre da introdução é uma balada que remonta a tradição oral – para saborear um pouco mais o bom filme, quando me deparei com uma edição portuguesa da peça “Sonho duma noite de São João”, de Shakespeare, chamada por aí de “Sonho de uma noite de verão”. Já que acabamos de passar por São João, peguei o volume e dei-lhe uma folheada. No fim há uma nota do heróico tradutor – em versos – justificando, com um comentário de Victor Hugo, a referência no título à noite que corresponde ao solstício de verão no hemisfério norte.

O ilustre habitante do Panteão de Paris, (certo Fitzwilliam?) inicia sua argumentação explicando o significado da expressão do título original Midsummer, que não é o meio do verão, mas a data do solstício, uma noite de festa importante e particular dos britânicos: “Na inglaterra de Shakespeare a véspera de Midsummer era a noite fantástica por excelência. Nessa noite, e no momento a ponto em que nascera S. João, é que saía da terra a afamada semente de feto, que tinha a virtude de tornar invisível. Para haverem esta semente, pelejavam entre si com toda a braveza as fadas capitaneadas da sua rainha e os demônios sob o manto de Satanás. Os mágicos mais destemidos, costumavam ter-se de vela nas solidões, com o intuito de ganharem por mão aos espíritos, e apanharem primeiro que eles, a preciosa semente. Muitas vezes porém lhe sucedia aguentar com eles desavenças pavorosas; e a não terem por si feitiços de grande posse, levavem a vida em contingências. Nesses lances, os mais bem livrados eram os que vinham só sovados do conflito.”

Já inventando, chuto que talvez ou até para afastar o desagradável demônio católico do contexto da sua peça leve e onírica, o bardo inglês tenha situado a história na Grécia antiga, limitando a população de seres intangíveis a fadas e duendes, que, por outro lado, nada têm de bonzinhos. Aliás, por se situar na antiguidade anterior a Cristo, talvez não devesse o tradutor ter usado a efeméride católica como referência. O próprio Victor Hugo, por não reconhecer na cultura francesa o significado fantástico da Noite de São João optou pelo tradicional título “Sonho duma noite de estio”. O português que se assina apenas Castilho concluiu ao contrário que “as práticas supersticiosas, crenças de profecias, e quimeras poéticas” em sua terra nada ficam a dever às britânicas, e assim justificou a sua noite de São João.

Mas é a noite em que as amarras do real ficam soltas e o sobrenatural domina, fazendo o amor triunfar sobre o dever, sob o efeito dos feitiços das fadas e duendes.

domingo, junho 25, 2006

São Vito Mártir

Nessa noite de São João fui ao cinema ver Tristão e Isolda, uma ode ao amor que supera o dever e a morte, e depois fui parar, não sei muito bem como, na festa de São Vito Mártir em pleno Brás, patrocinada pelo petybon grano duro, macarrão ao sugo a cinco reais em pé ou dez reais na "área vip", também conhecida como "cantina", em mesas perto do palco, com show do Maurício Pereira, o cantor luso-italiano acompanhado pelo Turbilhões de Ritmos, cantando músicas italianas, aquelas românticas tradicionais como Dio como te amo, Volare, e outras tantas, algumas tarantelas, e várias bizarrices, como Elvis em italiano (Suspicious mind virou L'ultimo tango em Memphis), Roberto em italiano (Donna de um amico mio), Beatles em italiano, Adoniran, Incríveis nos originais italianos (Era um ragazzo que come el me), e até um medley da Laura Pausini.

sábado, junho 24, 2006

Pura implicância

Hoje de manhã fui ao clube cortar o cabelo, que, como diria a. já estava na fase pompom, e finalmente encontrei o amigo imaginário do barbeiro gordo, que não é o seu duplo nem imaginário. É baixinho e tem um caprichadíssimo capacete de cabelo grisalho e um bem aparado bigode. O outro é enorme e usa um cabelão ondulado, dividido no meio, bem anos setenta. Achei meio sem graça. Lá dei uma olhada no Estadão, coisa que não tenho feito com atenção nessa fase burralda. Encarei só o Caderno 2, e li um artigo de um tal Aluízio Falcão, "especial para o Estado", reclamando do hábito do falar difícil. Discordei de quase tudo o que ele disse.

Ele começa mencionando "a exposição sobre nosso idioma e sua merecida repercussão", sem sequer mencionar que exposição era essa, e demorei - é verdade que ando lento - um pouco para supor que se tratava do Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz. O articulista pelo menos se deu ao trabalho de “defender” - não diz quem, mas se intui os organizadores - da inveja dos "formuladores" de críticas (de onde ele tirou essa expressão?!) por imprecisões históricas, categoria na qual eu o incluiria só por essa menção mesquinha.

E aí envereda em uma cruzada em defesa da clareza da língua, usando uma imagem desagradável: "A Língua Portuguesa precisa de um regime para emagrecer. Deve urgentemente perder celulites que agridem a decantada formosura do seu corpo." Pra mim é um rematado absurdo alguém pregar a redução de palavras de uma língua, ainda que pouco usadas e feias. Como diz o ditado, o que abunda não prejudica. Ele exemplifica com "aleivosia", que qualifica de tenebroso vocábulo, no meu ver adequado ao significado. Prossegue enumerando "jaez, ínterim, encômio, vitupério, entrementes..." que considera "rebarbativas" (isso não é falar difícil?), e segundo ele sempre haveria outra correspondente "mais bonita e mais simples, de igual significado, que todo mundo entende". Pra mim, a sinomínia é sempre aparente, e existem diferenças sutis entre as “iguais”, quanto mais não seja pelo som, e a variedade dá colorido à língua. A sua tese é de que há um gosto pela incomunicabilidade, e falar difícil confere status. E chuta, sem qualquer base ou referência, de que esse gosto vem do latinório dos primeiros bacharéis, e exemplifica com Rui Barbosa, dando a entender que são os primeiros bacharéis brasileiros. Não sei porque o gosto pela retórica pomposa não viria dos antigos gregos, ou dos romanos em decadência, só pra aventar algumas hipóteses.

Há aí uma incoerência na argumentação, porque latim não é português, e o uso de expressões estrangeiras não é exatamente o português rebarbativo, mas sim um outro fenômeno de linguagem. E o Aluízio prossegue no desvio da sua tese inicial, com a seguinte bobagem: "profissionais de outras áreas também criaram jargões próprios, dificultando a compreensão de seus textos pelos outros mortais. Daí o economês, o sociologuês e outros idiomas dentro do idioma." Falcão comete a ingenuidade de ignorar a existência da linguagem científica, estudada pelos intelectuais do chamado Círculo de Viena, que reconheceram a existência de várias linguagens especializadas utilizando ou não o idioma como base, que têm como característica a busca da clareza através dos significados únicos, e só servem aos interlocutores que as conhecem. Não têm nada a ver com o rebarbativo ou o gosto pela incomunicabilidade, muito ao contrário, perseguem a precisão.

Passa a disparar sua metralhadora descontrolada pela literatura, abatendo ao acaso alguns “rebarbadores”, começando em Euclides da Cunha, de quem admite a genialidade que reputa escondida pela afetação, com base no argumento da autoridade de Joaquim Nabuco, novamente construindo seu raciocínio de forma infeliz, pois para Nabuco, segundo o próprio Aluízio, Euclides era um mau escritor. A mim parece óbvio que Euclides não seria Euclides sem a afetação, pois na literatura, ao contrário da linguagem científica, o estilo, ou melhor dizendo o modo de expressão do autor, é indissociável das idéias que expressa. Esperemos só que Aluízo não se proponha a limpar o texto dele.

A vítima seguinte é Augusto dos Anjos, a quem também diz admirar, afirmando porém "que se tornou famoso por seus piores versos, aqueles de linguajar rebarbativo: Cosmopolitismo das moneras/pólipo de recônditas reentrâncias..." É estranho um admirador do poeta não reconhecer o seu escancarado senso de humor nesses poemas gongóricos de metáforas médicas e científicas, esgarçando o idioma ao máximo para dele arrancar imagens de arrepiar, como no genial soneto "Psicologia de um vencido". Igualmente, retire-se essa característica de Augusto, o que sobrará?

No parágrafo seguinte comete um terrível erro de concordância, ao bajular a linguagem jornalística moderna (porque será?): "Inclusive quando incorporam uma linguagem que, pelo uso corrente na oralidade, adquirem o direito de ingressar na linguagem escrita." Esse mérito é no mínimo discutível, primeiro porque o interesse é vender jornais, e também porque não se pode esquecer a responsabilidade dos grandes órgãos de imprensa na manutenção da qualidade lógica e funcional da língua.

Ataca então os parnasianos, e aí falta originalidade à crítica. Desde criança ouço falar mal do apego excessivo às formas e aos temas clássicos e distantes dessa turma. Novidade haveria se tivesse mostrado algo de bom. E falha mais uma vez em seu exemplo: “Mesmo aquele de Olavo Bilac sobre a Língua Portuguesa e que começa com Última flor do Lácio inculta e bela” merece reparos. Primeiro, porque o poeta imaginou que todos os seus leitores tinham a obrigação de saber que o Lácio era uma antiga região da Itália, onde primitivamente se falava o latim.” Foi mal. O Lácio não era, o Lácio é uma importante província da Itália, com mais de cinco milhões de habitantes, onde se encontra Roma, e que tem um famosíssimo time de futebol de mesmo nome, o Lazio. E todos os leitores de Bilac sabem que o português é uma língua latina. Lácio, Latium, latim, não é uma charada tão difícil assim, ainda mais levando em conta o tema do poema e o sentido do verso.

Os dois últimos argumentos também não têm nenhuma lógica, e apontam como culpados pelo falar difícil as teses acadêmicas perdidas no escurinho das bibliotecas – se não são lidas não podem causar dano – e os gramáticos puristas, aos quais, segundo o próprio autor, ninguém presta atenção. É óbvio que as críticas que tais seres retrógrados e obscuros não teriam força nenhuma para barrar o progresso da língua.

É triste ver desperdiçado o espaço nobre de meia página do caderno cultural de um dos mais importantes jornais do país com tanto papo furado.

sexta-feira, junho 23, 2006

Um real por dia

Já disse aqui que desde o carnaval estou emburrecendo. O processo está quase completo. Outro dia recebi uma carta de uma bibilioteca que freqüento, cobrando um livro que deveria ter sido devolvido em abril. É o “Morte a crédito”, do Céline, um livro impossível de ler pra alguém com a mente tão debilitada como eu. Além de ser uma história incrivelmente deprimente de um médico cínico que trabalha com saúde pública num bairro pobre, o livro é inteirinho – inteirinho mesmo – feito de frases interrompidas por reticências, o que depois de um tempo passa a ser um ruído irritante. Algo como uma britadeira ortográfica metralhando o seu cérebro. Outro livro que peguei um pouco antes, um do Saramago, esteve com alguém que marcava o lugar em que tinha parado com um ponto de caneta vermelha. E o cara era tão mesquinho que ele não se contentava em marcar a página, ou o parágrafo (tá certo que são grandes, no caso do Saramago). Marcava a linha, e ainda variava entre o lado esquerdo e o direito, pra não voltar nenhuma palavra atrás. E lia meia página, no máximo uma página por dia, ou então era muito interrompido, porque toda página tinha pelo menos um ponto vermelho. Estabeleci um relacionamento desagradável com esse antecessor, e toda vez que via o ponto vermelho tropeçava, pensava porque ele tinha parado ali, por qual razão, ou simplesmente bufava, o que me atrapalhou muito o ritmo da leitura. Tenho uma pilha parada no meu criado mudo, e faz dois meses que não leio um livro. Só vejo tv e durmo. É por isso que tenho falado tanto em remo.

quinta-feira, junho 22, 2006

Pois é

Meu four-skiff vai voltar a treinar, com a mesma guarnição menos o gigante da sota-proa, que será substituído por um mais jovem, baixando a média para uns quarenta. Teremos um barco e remos só para nós, nada de luxo mas tudo em ordem, regulado de acordo. E, finalmente reconheceram meu talento musical, vou sair da proa e ir para a voga, ditar o ritmo e me livrar do leme de pé. Isso se o treinador não mudar de idéia depois dessa manhã. A raia estava um espelho, eram quase nove horas e eu estava completando vinte quilômetros remando o single-skiff “sem palamenta” - isto é, sem quebrar a munheca no retorno do remo com a pá na horizontal, o que é um exercício muito bom para a entrada e a saída do remo na água e também para o equilíbrio do barco, pois se é obrigado a trazer o remo mais alto e sem raspar na água – quando, ao fazer a última virada, relaxado e cansado, fui inventar, tentando fazer o barco girar sobre si próprio como fazem os craques, um remo avante e outro à ré, e capotei. O barco logo retornou à posição original, quase nenhuma água chegou a entrar. Na água gelada, com cãibra numa das panturrilhas, empurrei o dito cujo até a margem, saí da água entre as tocas dos preás que habitam o barranco, freqüentemente confundidos com ratazanas, e fiquei esperando. Deixar o barco lá não se recomenda, alguma coisa pode acontecer. E também não dá para tentar subir no barco sem a estabilidade do pontão, pois é arriscado quebrar alguma coisa. Esperei por um tempo, até que alguém numa lanchinha que estava acompanhando alguns remadores se ofereceu para avisar alguém do meu clube. Uns quinze minutos se passaram e eu fiquei lá imprensado entre o barranco e a água, molhado e gelado, mal me equilibrando na superfície muito inclinada e escorregadia, sem poder me mexer, até que aquele mesmo sujeito voltou com a lanchinha e se ofereceu para rebocar. Entrei na água novamente, até o peito, para tirar os remos e embarcar. É um evento humilhante, que deixa todos espantados e horrorizados. Amanhã estou lá de novo, um pouco mais modesto.

quarta-feira, junho 21, 2006

Solstício


Hoje é o dia do solstício de inverno, ocorrido às 9:27 da manhã. Como o ponto culminante da órbita foi de manhã, acredito que a noite mais longa do ano foi a de ontem, de 20 para 21. Achei esta figura que mostra como os lugares onde o sol nasce e onde se põe se deslocam durante o ano, aqui no hemisfério sul em direção ao norte, e assim o arco aparente que ele descreve sobre um dado horizonte diminui, bem como a altura máxima que o Sol atinge. Eu acho, mas não tenho certeza, que a inclinação desse arco aparente é constante, e representa a inclinação do eixo de rotação da Terra em relação ao plano da órbita do Sol.

terça-feira, junho 20, 2006

Garotas, suspirem



Está no ar o blog do dândi egocêntrico, autocentrado, conservador e bem educadíssimo Fitzwilliam, pavoneando-se fleugmaticamente da sua peculiar visão do mundo.

segunda-feira, junho 19, 2006

A mãe do Freud

Disse o Freud uma vez, não sei exatamente em que contexto e com que palavras, que o homem que tem o amor incondicional da mãe vai mais longe, possivelmente com base na sua própria experiência. Se alguma coisa me irrita nessa copa é a unanimidade em dizer que o time brasileiro está horrível. Aliás, assim como toda vez que vejo torcida vaiar o seu time. O amor da torcida tem que ser incondicional como o da mãe do Freud, e ficar com o time até o fim, para o bem e para o mal, apoiando a luta mesmo que seja ingrata. Ganhar junto e perder junto. No último jogo, curiosamente, depois de um tempo inteiro com os comentaristas falando mal do Ronaldo e do Adriano, os dois fazem uma magnífica jogada e o primeiro gol. Afinal, qual é a diferença entre o time bom e o time ruim? Justamente estes momentos de gênio. Jogar duro todos sabem, e cada partida da copa é uma guerra. O time está aí e não pode mais ser mudado. São jogadores incríveis que qualquer clube do mundo teria em suas equipes. Vamos fazer o papel de torcida incondicional, porque depois do Japão vem chumbo grosso.

domingo, junho 18, 2006

Ô Jayme

Você nem comentou a vitória de uma das suas bandeiras, pela mão do suspeito Kassab. Aliás, não sei porque todo mundo suspeita do Kassab. Bom, alguma coisa deve ter, mas paciência. Roubou, carregou, escondeu, ninguém viu, o que é que se há de fazer? Perdeu, mano, perdeu, se conforma e fica esperto. Segundo ouvi no rádio, tv, internet, ou jornal, não me lembro, o Kassab vai acabar com todos os out-doors (acho que foi no seu blog que eu li que essa expressão estrangeira só se usa no Brasil) que estão pela cidade, e concentrar o espaço de propaganda nos equipamentos públicos que serão substituídos e mantidos pelos anunciantes, ou melhor, locadores do espaço, ou ainda, futuros donos da rua. Não me interessei em saber como eram as características do negócio pra não ficar procurando os vazamentos de dinheiro público na arquitetura do decreto. Estou só encantado com a possibilidade disso ser verdade e sumirem, por exemplo, os 67 (estimativa grossíssimo modo) cartazes gigantes que estão na marginal entre a ponte do Jaguaré e a da Cidade Jardim, distraindo os motoristas com a sua seqüência de animação, e o nosso cérebro possa se ocupar de objetos, ou sujeitos, escolhidos por nós mesmos. Talvez eu sinta uma ponta de saudade da loira de vinte metros vestindo calcinhas Hope na entrada do Minhocão, de quem vem da São João.

sábado, junho 17, 2006

Na toca

Depois das melancólicas reflexões sobre o isolamento provocadas, provavelmente, pelo o isolamento, melhor voltar ao chão e caprichar na minha pequena rotina da casa vazia. Fora uns dois pratos, dois copos, e três talheres, a cozinha está em ordem. Ontem, mal recuperado da bebedeira de quinta, cheguei do trabalho, embrulhei-me em moletons, usei a colcha como coberta para ver tv e acabei dormindo assim até hoje, de sorte que a cama está arrumada. Na casa vazia, essas poucas alterações na ordem, que passariam desapercebidas com o circo da família em movimento, e se arrumariam por si próprias, crescem em significação. Estou na dúvida se lavo a louça ou não. Acho que vou lavar sim, e depois vou fechar as cortinas, aproveitar a ordem e o silêncio, pra ver se eu consigo vislumbrar o próximo passo. Mas antes vou até a raia ver se há uma embarcação disponível para uma remada.

sexta-feira, junho 16, 2006

Poço sem fundo

Pessoas são virtualmente inesgotáveis, tanto na sua capacidade de dar, como na de querer. Para que as relações funcionem basta que as ligações estejam aptas ao trânsito de dados, ou seja, que haja disponibilidade. São vários os tipos de relações possíveis, e todas podem e devem conter alguma dose de afeto. Se a ligação é mal feita, passa-se a mensagem errada, e a coisa pode se tornar até desagradável. Rompimentos de ligações podem ser dolorosos, mas relações não necessitam substituição. Relações sem trânsito de afeto, sem ligação, não são verdadeiramente relações. São ex-relações ou relações potenciais. O grande limitador é a disponibilidade. Quantos amigos você consegue manter? Existem ex-amigos? Amigos que não se vêem há muito tempo conseguem recuperar a ligação rompida, e fazer fluir o trânsito de afeto? Quais relações são realmente importantes pra você, em quais relações existe o trânsito livre e desinteressado de afeto? O afeto precisa ser desinteressado? Qual a hierarquia das relações? Como quem não trabalha não come, seria de se esperar que no topo da hierarquia estivessem as relações de trabalho, mas obviamente não estão. Relação aqui é a situação de troca entre duas pessoas. Troca de qualquer coisa. Bens e serviços, fluidos corporais, afeto, desafeto. Ligação, também inventando, é o meio pelo qual a relação acontece. Antigamente só havia a ligação física, a oral, e a ligação epistolar. Daí inventaram o telefone, e a ligação oral deixou de reclamar a presença física do interlocutor. A voz um tanto desumanizada pelo aparelho, mas ainda muito do caráter físico da ligação se mantém, pelo timbre, a inflexão, a construção da conversa com o entrelaçamento das frases, e por aí vai. A carta também tinha algo de físico, pela caligrafia única de cada pessoa, a disposição das palavras, as correções e atos falhos, e eventualmente lágrimas borrando a escrita. Agora as ligações contam com outros meios, cada vez mais importantes, os meios eletrônicos. Podemos ir desde o ultra impessoal e-mail, que nada tem de físico, não tem caligrafia, não registra correções, mas mesmo assim pode conter grande carga de emoções somente na transmissão de idéias, ao dinâmico msn, onde ao menos pode haver o entrelaçamento das frases em conversa, e pode-se simular por escrito algumas interjeições e gestos. Há ainda os scraps e fóruns (é isso, aquelas listas das comunidades?) do orkut e assemelhados, que eu não sei como funcionam. E todas essas formas eletrônicas podem ser acompanhadas de carinhas expressando emoções, e outros ideogramas. Claro que os mais ousados podem comunicar-se à distância com câmeras e microfones, e aí o aspecto físico da conversa volta com força total, sobrando apenas o véu da eletrônica, e faltando, se for o caso, o contato realmente físico e a troca de fluidos corporais. O necessário é apenas que algum tipo de ligação entre essas fontes inesgotáveis de afeto, que são as pessoas, exista.

quinta-feira, junho 15, 2006

Corpo de Cristo

Ao que consta “Corpus Christi” é o dia santo dedicado à Eucaristia, o corpo de Cristo simbolizado pela hóstia embebida em vinho, o sacramento celebrado em sua memória. Ligar o divino ao humano é uma idéia muito boa, pois para a espécie se perpetuar e a civilização se aprimorar o indivíduo tem que transcender a si próprio. Sou agnóstico no sentido tradicional e pra mim, o absoluto, ou seja Deus, é inapreensível. As religiões, embora tragam doutrinas socialmente úteis, são baseadas em premissas inconsistentes, os dogmas. A Deus não cabem qualidades humanas como bondade e justiça, construídas para possibilitar a vida em sociedade, a comunhão dos homens entre si. E cada um tem que desenvolver em si os atributos necessários para a vida em grupo, as várias faces do altruísmo organizado em regras que vão dos grandes tabus erigidos em crimes capitais à boa etiqueta.

quarta-feira, junho 14, 2006

Não vou

Como dizem as minhas filhas, “todo mundo” vai para Campos do Jordão no feriado de Corpus Christi. Gosto muito da Serra da Mantiqueira, com suas florestas de pinhais, rios cristalinos e altas montanhas com picos de pedra, as belas vistas, e o clima de altitude. Acrescentados pelos caras pálidas foram as trutas, os plátanos, os chalés estilo alpino, os cavalos, os gramados, os hotéis e restaurantes e outras tantas benfeitorias. Campos está a mais ou menos mil e setecentos metros de altura, e é a estância turística mais desenvolvida da serra. Pra quem mora lá e vive do turismo, a sazonalidade é difícil de administrar. Chove muito no verão, e poucos se interessam pela montanha fora do inverno. Neste feriado abre-se a curta alta temporada da estância, que vai até o fim do inverno. Acredito que este feriado seja o pico da ocupação por turistas. Tudo congestionado, tudo lotado, preços exorbitantes, e um desfile de vaidades e ostentações concentrado como poucas vezes se vê. Lá os consumidores do mercado de luxo se encontram e sentem-se seguros para exibir seus sinais exteriores de riqueza, como diz o leão. A isso se resume Campos neste feriado, uma grande aglomeração da fina flor da juventude paulista para exibir riqueza e beleza. Minha mulher, num gesto nobre, consentiu que eu ficasse aqui, enquanto ela pilota uma casa lotada de meninas-moças e enfrenta sozinha as forças escuras do inverno, manifestas nessa horda exibindo o que tem de pior.

terça-feira, junho 13, 2006

A nação em chuteiras


Começa a copa, no dia de Santo Antônio, do qual Zagalo, o pé-quente, é devoto. Anda com um santinho no bolso. Há quem se irrite com a copamania. Um dos argumentos mais usados é o do patriotismo barato, ou até nocivo, que sujeita a nação à manipulação do estado. Tendo a discordar. Aprendi, lendo notícias sobre escândalos, que a CBF é uma associação privada sem fins lucrativos, tipo de instituição hoje comumente chamada de ONG. Um clube de federações estaduais de futebol, por sua vez clubes de clubes de futebol, também associações sem fins lucrativos. Ou seja, toda a estrutura do futebol brasileiro é da iniciativa privada sem fins lucrativos. Clubes formados por amigos amantes do esporte amador, que o amor pelo esporte tornou gigantes, hoje um tanto descontrolados, vá lá. Ou seja, forçando um pouco a barra pode-se dizer que a nossa seleção tem origem remota em sonhos de garotos que organizaram seus times de bairro para jogar peladas nas várzeas. E essa ainda é a origem dos nossos gloriosos craques, milionários que jogam futebol como ninguém no mundo. Dá pra se perceber em cada garoto – e agora garotas também jogam – que joga ou jogou futebol a capilaridade da sustentação popular da seleção brasileira, que transcende manipulações de políticos e patrocinadores, e representa um pouco do que esta nação tem de melhor, nação no sentido humano de identidade cultural e étnica, e não na acepção do falido modelo do estado moderno. Por isso alterei a expressão rodrigueana do título.

Agradeço aos convites dos amigos mas vou ver esse jogo com a família na casa dos meus pais, alguns dos meus irmãos, espero que com filhos e sobrinhos presentes, e quem mais aparecer será muito bem vindo. A celebração das copas está na raiz mais funda da nossa formação.

segunda-feira, junho 12, 2006

Ainda remo

Ontem teve uma regata interna do clube, com alguns convidados externos. Participei de uma prova na iole, que é um barco largo de treinamento, numa guarnição heterogênea e improvisada entre 16 e 60 anos, e tiramos o segundo em quatro barcos, batendo dois clubes, o que foi muito bom. Corri também um páreo no double misto, junto com a Sra. Bilis, contra três guarnições contra as quais não tínhamos a menor chance, de remadores experientes e cheios de títulos. Mas vencemos um outro double mais jovem e que rema há um pouco mais de tempo do que nós, e assim ficamos em quarto de cinco. Não pude participar da prova que eu mais queria, que era o skiff master estreante, porque encavalou com a do double misto. Quando cheguei, os barcos já estavam a um quilômetro de distância, na largada.

Depois da prova fomos conversar com os vencedores no tempo real, trazidos a segundo no tempo corrigido, uma dupla de um famoso clube carioca. Começamos a conversar sobre o praticamente inexistente circuito de remo master, e o homem da dupla – que também ganhou a prova de skiff master – disse meio sem graça que irá participar dos outgames em Montreal, em julho ou agosto deste ano, explicando que era uma olimpíada das minorias. Depois pesquisei e vi que são os gay games, ou pelo menos um racha da sua sétima edição. Ele não precisava ter feito isso, mas fiquei com a impressão que ele fez questão de declarar a sua opção sexual naquele ambiente presumidamente homofóbico, onde o humor cotidiano é feito basicamente à base de piadas preconceituosas. Foi tratado com todo o respeito mesmo depois da cerveja do churrasco de confraternização.

domingo, junho 11, 2006

Responsabilidade social

Que o altruísmo é um forma um pouco mais sofisticada de comportamento auto-interessado é mais ou menos óbvio. Ninguém é bonzinho por ser bonzinho, contrariando seus instintos animais egoístas, mas porque considera uma postura mais recompensadora. Trata-se de pensar a longo prazo, como investir tempo, dinheiro, energia, ou o que quer que se tenha para aplicar. Na nossa sociedade moderna às vezes o altruísmo fica tão longe da recompensa que são usadas metas abstratas anteriores para simulá-las, como medalhas, prêmios e outros tipos de homenagens, que podem ser ainda mais tênues e impalpáveis. Sábado fiquei duas horas no caixa de uma festa junina beneficente e ninguém me agradeceu. Não que eu esperasse agradecimento, quer dizer, quem iria me agradecer? Os beneficiados, credores de uma sociedade injusta na distribuição das oportunidades, que eu nem sei quem são?

sexta-feira, junho 09, 2006

Fogo de palha

Tenho quarenta e cinco anos. Surfo há trinta e três anos. Toco guitarra há trinta e um anos. Trabalho na mesma sala, na mesma profissão, há vinte e três anos. Sou casado há vinte anos. Moro na mesma casa há oito anos. Comecei o blog há treze meses. Remo a nove meses.


Afora ventos e trovões, a direção é mais ou menos a mesma. Devo estar indo para algum lugar.

quinta-feira, junho 08, 2006

O profeta do deserto

Era noite de São João mas ali na megalópole não tinha festa junina nem quadrilha, pelo menos que quisesse ir. Apesar da lua nova, invisível, só a luz das estrelas de primeira grandeza atravessava o clarão da cidade. Na noite mais longa do ano o negócio era ir comer uma massa leve e ir dançar música negra. Como única concessão às festas juninas da sua infância no interior vestiu um vestido rodado vermelho, que nada tinha de caipira. Dançando, sentiu-se Salomé com seus véus. Pouco se importava com a cabeça do Batista. A um dos muitos amigos que assistia ao espetáculo pareceu que ela era a incumbida de acordar a Terra da sua hibernação.

quarta-feira, junho 07, 2006

Opositores

Encontraram-se por acaso no velório. Nenhum dos dois conhecia mais ninguém, além da morta. Tinham estado em lados opostos de uma lenta e dolorosa aquisição de uma decadente e antiga empresa açambarcada por um inescrupuloso empresário ligado ao novo governo. A luta havia sido dura e suja e nenhum dos dois tinha muito do que se orgulhar, a não ser o fato de terem desempenhado a contento suas desagradáveis tarefas. Depois dos dois verificarem que não havia risco de nenhum deles conhecer alguém, resolveram se aproximar. Começaram a conversar sobre a morta, e reconheceram que habitaram o mesmo gueto na juventude, e por pouco não foram amigos. Aquele que tinha ficado do lado mais forte rapidamente rompeu a membrana agora inútil imposta pelo negócio, comentando que na hipocrisia da nova ordem a sua cabeça tinha composto o acordo, sabendo que o mesmo acontecera ao outro. Identificaram-se como complementares, saíram amigos, muito provavelmente sócios.

terça-feira, junho 06, 2006

Maratona

O movimento coordenado por si só gera uma sensação agradável. Domingo fui ver a maratona passar perto da minha casa, e, crime premeditado, deixei passar os primeiros pelotões e acompanhei a tropa por dezesseis quilômetros, um a mais do que tinha planejado, e num ritmo bem mais forte que o habitual, aproveitando indevidamente os postos de água. Parei porque sabia não estar preparado para tanto. A alegria da corrida induz os corredores a incitarem-se a correr. Quando parei estava longe de casa e tive uma longa caminhada de volta. Há algo de eqüino em correr, esporte tão na moda. Correr atrás dos outros, atrás de nada e ser seguido por uma multidão que corre atrás de mim.

Hoje, na raia, o treinador me deu senão o melhor, um dos melhores barcos do clube pra eu treinar, cheio de dedos, recomendações, admoestações e ameaças pela integridade física da embarcação, verdadeira casquinha de ovo. O que eu vinha usando estava com sua arcaica estrutura literalmente desmontando. Foi demais.

segunda-feira, junho 05, 2006

Granola

Sabia que aquilo não iria durar muito, e que teria que tomar uma atitude mais ou menos rápido. Lembrou de Saramago ter dito uma vez em algum lugar que "não ter pressa não é incompatível com não perder tempo". Não se tratava propriamente de uma decisão, porque aquela grande e harmoniosa estrutura que ele tentava manter, apesar da sua aparente solidez e dos muitos anos de bons serviços estava prestes a ruir. A carga ultimamente, tanto do bom como do ruim, tinha se tornado excessiva. Escoras elegantes e aparentando pertencer ao projeto original vinham sendo colocadas, mas as rachaduras depois de calafetadas e envernizadas reapareciam cada vez maiores. Estava na hora de irem embora e as perspectivas eram novas e atraentes.

sábado, junho 03, 2006

O filho predileto de Xangô


Ontem fui ao N.Ex.t. Cabaré, na Rua Rego Freitas, assistir a um show do Jorge Mautner, o profeta do Kaos. Fui a muitos shows dele quando era moleque, sempre acompanhado do seu polêmico violino (agora vermelho metálico), e o inseparável Jacobina. São profissionais competentes. Por estar num cabaré, e provavelmente identificar-se com esse tipo de estabelecimento, começou com um longo discurso sobre a história do cabaré e sua importância cultural, partindo dos poetas românticos franceses, com o absinto e o flerte da arte com o crime, passando pela época áurea da República de Weimar no entre-guerras, e contou que os cabarés foram um dos alvos do nazismo, porque Hitler considerava os comediantes tão perigosos como os judeus. Falou dos cabarés brasileiros, onde poetas parnasianos declamavam ao lado de sambistas e orquestras de gafieira. E até cantou uma canção de Kurt Weil em alemão, fazendo a tradução simultânea para o português nas pausas da letra. Cantou canções novas, como “O Homem-bomba”, com uma perspectiva umbandista dos suicidas fundamentalistas, em parceria com o Caetano, uma outra que tocou em uma novela da Globo, e várias das antigas. Para o “Maracatu Atômico” subiu ao palco uma berimbalista (?). A segunda atração era um grupo de rappers chamado “As funcionárias”, acompanhadas por um tecladista com visual inspirado em Austin Powers, que não agradou muito. Depois entrou uma banda de cozinha velha, um jovem cantor guitarrista, e um trompetista, com um repertório inusitado de compositores esquecidos como Sérgio Sampaio, e um som de qualidade. Com eles, que pareciam ter uma ligação íntima com o Mautner, ele cantou e tocou mais algumas, entre elas “O vampiro”, e terminou com uma antiga marchinha de carnaval. O cabaré estava lotado, e no teatro ao fundo acontecia uma leitura dramática (é isso), também bastante concorrida.

Foto tirada do site dele.

sexta-feira, junho 02, 2006

Chá ou café?


Há séculos, ou milênios, os filósofos discutem destino e escolha. Traçamos nosso próprio destino ou estamos a ele condenados, como o pobre Édipo, que quanto mais dele tentou fugir mais na sua direção correu. Existe uma escolha errada, ou existe só uma escolha possível, aquela que se toma? Ainda que se possa ouvir o futuro, as palavras da sibila são sempre entendidas errado. Não vou entrar nessa briga de cachorro grande. Mas assim como não acredito em vocação, aceito que há momentos em que várias escolhas certas são possíveis, e não há como errar.




Uma das sibilas da Capela Sixtina

quinta-feira, junho 01, 2006

Auto ajuda

Todos conhecem a fábula de Esopo da menina e o leite. A doce garotinha levando o leite ao mercado, no caminho começa a viajar: vendo o leite compro ovos, que darão pintinhos, que virarão galinhas, e assim por diante. Quando ela está prestes a comprar a Parmalat, distraída, derruba o leite. Daí a expressão “não adianta chorar sobre o leite derramado”. O mecanismo funciona para o sonho e para o pesadelo. O filho adolescente sai à noite e o pai fica preocupado porque ele vai beber, se beber vai tomar drogas, se tomar drogas vai bater o carro, se bater o carro vai causar danos que ele terá que suportar, ou machucar alguém, ou ainda se matar. Nesse momento, depois de passar a noite em claro, o pobre pai ouve o filhão entrando em casa são e salvo. O fato é que o pensamento voa. Rédea curta nele.