terça-feira, dezembro 25, 2007

Pacote difícil

Acabei de ler “O jardineiro fiel” e rever o filme. Os dois são ótimos, a mesmíssima história contada em linguagens diferentes, uma experiência profunda. A força das imagens da África com as cores estouradas e a câmara na mão, ao som da música dos coros e tambores. Dou a mão à palmatória e o Ralph Fiennes faz perfeitamente o papel do Justin Quayle. Quem tem bons olhos para o cinema percebeu logo, eu tive que ler o livro pra compreender o personagem tão fielmente traduzido. O livro explica uma série de códigos de classe e as sutilezas dos diplomatas ingleses na condução de suas guerras, como uma passagem em que se acusa os recém saídos da universidade de terem sotaques insossos, ou o estilo tory de fazer um relato, como se fosse uma lista de compras. Não lembrava que a Tessa era advogada. Tem uma pesquisa sólida sobre a indústria farmacêutica, antecipando as denúncias de Marcia Angell.

Mas todo esse pacote foi atropelado pelo maravilhoso “A vida dos outros”, assistido meio por acaso enquanto procurávamos um lugar pra comer no 23, quase todos os restaurantes fechados, quando resolvemos checar a renovada Sala Ig, ex-Uol (uma vez fiameta, sempre fiameta), e tinha lá uma sessão dali a quarenta minutos. Só sobrava tempo para um x-salada no fiel hamburguinho. Sobre o filme não dá para falar pouco. Rendeu uma conversa de uns quinze minutos com o sócio, na manhã do 24. 25, “O amor nos tempos do cólera” no shopping deserto. Feliz Natal.

sábado, dezembro 08, 2007

Feérica


A gloriosa blogueira dramaturga cronista arquiteta Lúcia Carvalho publicou dias atrás em sua coluna mensal na revista Morar, da Folha, um ataque às luzinhas de natal, quando mal se iniciava a temporada. Agora, que elas efetivamente já tomaram conta da cidade, depois de intensa e ponderada reflexão, falo das minhas perplexidades sobre o tema profundo e complexo, com o perdão da flexibilização das aliterações em x. É claro que ela tem razão. É infantil, é cafona, e além disso um enorme e inútil desperdício de energia, totalmente incorreto nesses tempos de aquecimento global. Mas temos que assumir que é lindo, com sempre são as luzes na escuridão, especialmente com o intencional efeito de joalheria. Diamantes, pérolas, rubis e esmeraldas sobre o veludo negro da noite. A cidade à noite, sóbria e séria, de repente vira uma animada quermesse, um parque de diversões, um baile mítico e atemporal que incita o departamento de fantasias a tomar conta do ambiente mental do cidadão. Todo ano penso em comprar na Santa Ifigênia uma rolão dessas luzinhas e empetecar a minha casa, mas sempre deixo pra lá. No máximo as modestas coloridas piscantes da árvore de natal que temos já há um tempão. Falta pra mim, como falta pra muita gente, assim como provavelmente à própria Lúcia, a convicção necessária pra superar a autocrítica do ridículo que é despender dinheiro, tempo e energia elétrica numa inutilidade fútil e cafona dessas. Mas é de se admirar quem se dá ao trabalho de contribuir para a iluminação espiritual de todos, especialmente quando se faz sem intuito de lucro, como o comerciante que só quer chamar a atenção para o seu negócio. Fiquei impressionado com a iluminação das pontes sobre o Rio Pinheiros, ao que eu saiba inéditas. Será que o Kassab está em campanha? E não posso concordar com a idéia da Lúcia de que para organizar o bandalho e proteger o landscape seria melhor que os arquitetos prevessem no projeto a localização de luzes natalinas fixas. Seria esquisito como maquiagem permanente.

terça-feira, novembro 20, 2007

Amêndoas Amargas

Ontem fui assistir ao "Leões e cordeiros", filme-planfeto anti-bush anti-guerra anti-terror anti-apatia dos comedores de hambúrgueres e batatas fritas. Previsível, pra dizer o mínimo. E antes o trailer do "Amor nos tempos do cólera", baseado no livro do Gabriel Garcia Marquez. Lembrei que li o livro nos oitenta e seis, oitenta e sete, e não me lembrava nada além do título. Depois de perder uns bons dez minutos procurando na nossa bagunçada estante, sofregamente reli de cabo a rabo, na modorra do feriado. O livro abre com a descrição de uma cena de suicídio descoberta pela manhã, a partir do cheiro de amêndoas amargas. Logo se sabe que a morte foi pela vaporização do cianureto, que exala este aroma característico. Lembrei que quando parei de fumar uma das distrações para a ansiedade eram ameixas pretas, que eu comia e ficava roendo o caroço, até uma vez o caroço quebrou e descobri lá dentro uma pequena amêndoa, com um acentuado sabor de amêndoa, um que não é evidente na noz em natura, mas no amareto ou no marzipan. Conversando por acaso com um médico sobre o fato, ele disse que esta amêndoazinha da ameixa tinha um alto teor de cianureto, ou uma substância aparentada a ele. Mas só lendo o livro do Garcia pude fazer a relação entre o aroma, o veneno, e a sua vaporização. Comentei espantado com a minha filha vestibulanda que passava, que acrescentou que era o aroma sentido nos campos de concentração nazistas quando se ligava o gás, conforme aprendeu no cursinho. Isso tudo só no primeiro parágrafo. No livro todo os aromas, odores, cheiros e fedores têm papel importante, assim como a berinjela.

domingo, novembro 18, 2007

Pura ficção




A pujante vegetação do baldio do lado, outrora objeto da minha cobiça.


XVI
Victor, na seqüência da sua pesquisa, foi dar em um médico do interior que logo ao início da epidemia do vírus HIV elaborou um programa de saúde pública de combate a este e demais DSTs, aproximou-se do governo do estado e conseguiu implantá-lo. O sucesso evidente em nível estadual e a conquista do governo tucano levaram o programa para a esfera federal. A sua permanência na evolução da discussão das patentes de medicamentos na OMC, a conquista da brecha para a licença forçada em caso de estado de necessidade. A luta contra os grandes laboratórios que tentaram fechar a brecha em regulamentos posteriores, e a aparente virada do jogo, com a implantação dos planos estatais de administração do mercado de medicamentos e o seu enorme poder de negociação de preços, pelo menos nas praças pobres. E quando a corda estourou, foi licenciada à força a patente de um medicamento da primeira linha de combate ao vírus. Mais ou menos contemporâneo a estes fatos foi a sua prematura demissão na coordenação do programa de combate ao vírus na OMS, e andava agora em discussões, debates em Harvard. Teria mordido a isca? Victor não acreditava nisso. Estava entrando na boca do dragão, novamente. Tinha que falar com ele.




Sua outra linha de pesquisa foi ler, com um copo de uísque com gelo lentamente derretendo ao seu lado, ouvindo música que o fazia sentir-se inteligente, como as peças de câmara de Bach, ou os quartetos de Beethoven, o livro de Márcia Angell, “A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos”, uma médica de Harvard, editora de uma importante revista médica da Nova Inglaterra, denunciando a cobiça desumana dos laboratórios farmacêuticos, as mais lucrativas indústrias do mundo, abusando dos medos da população com a exploração da ganância dos médicos. Ou algo tão tenebroso quanto. O cruzamento desta três fontes, a trajetória de médico do interior, a explosiva história do laboratório nacional de genéricos Mercury, dentro do panorama pessimista da indústria mundial pintado por Marcia determinariam o seu plano. Só tinha que pensar como o bandido.



sábado, novembro 17, 2007

O sol...







... voltou a brilhar em nossas praias, então acho que terei que tomar alguma atitude.

Zumbido na linha


Acabou de sair daqui o terceirizado da telefônica, o que faz o telefone funcionar pra dentro da casa, mediante um contrato de dois, três reais por mês. Tem umidade no conduíte. Quando mudamos, lutamos uns dois anos até matar um ponto contaminado, substituir os conduítes por um caminho mais seco, e estávamos já há vários anos sem problemas. Mas de uns tempos pra cá o zumbido da linha voltou. O Francisco cordialmente se apresentou, estendeu a mão perguntando o meu nome, disse e apertei a sua mão com firmeza. Logo descobriu onde estavam as caixinhas de passagem externas e foi correndo para elas. Avisei que eram duas linhas e a que estava com problemas era a que está conectada ao alarme. Mostrei a caixinha de passagem interna e esperei o diagnóstico óbvio. Umidade. Cortou a ponta dos fios, substituiu a tomada do primeiro ponto, e gritou que estava pronto. Ponderei com ele que se havia a infiltração era uma questão de tempo para o problema voltar. Quando percebeu que eu não esperava nenhum milagre, disse que como eu era um cara “que entende”, sugeria a utilização da rede elétrica para transmitir o sinal do telefone, podendo utilizar qualquer tomada para isso. Legal, eu disse, vamos esvaziar os conduítes. Despedimo-nos cordialmente e bati o portão de treliça. Alguém sabe alguma coisa sobre isso?

sexta-feira, novembro 16, 2007

O vulto


Tinha um mendigo parado na minha porta há um tempão. Eu, da minha torre, via o vulto atrás da treliça. Tocou a campainha e a empregada ignorou. Às vezes elas usam a tática de fingir de morto, pra ver se o cara vai embora. Só que este não ia. Pegou um “folder” (né, Jayme) mal enfiado na caixa do correio, desdobrou ele inteiro, deu uma longa olhada e enfiou de novo. Daí fui procurar a câmera pra tirar uma foto do vulto, talvez uma depois que ele saísse andando, pra mostrar aqui. O flash (fleche, como diria a Franka) que não devia ter disparado talvez tenha chamado a sua atenção. Ele conseguiu dar um grito telepático, e eu acabei descendo, pensando em enxotá-lo dali, polidamente. Fui lá e era o piscineiro polidamente irritado, falando que tocou a campainha três vezes e ninguém atendeu. É nosso piscineiro há uns nove anos, desbancou o anterior com uma proposta irrecusável de cenzão por mês com produto, a piscina está sempre limpa e nunca o vejo, vêm religiosamente terça e sexta. Sempre andou de carro legal, lembro de uma saveiro vermelha tunada. Achei que era um rapaz empreendedor, que ia subir na vida. Hoje não estou vendo o carrão. Traz o seu próprio equipamento. Hoje me ocorreu que o cara é um verdadeiro elvis, um galã clássico. Será um estereótipo de filme pornô, que come patroas, filhas e empregadas, o homem da mangueira grande? Ele me parece ser um cara super sério e objetivo, que caiu numa armadilha. Acho que ele gasta meia-hora, quarenta minutos com cada casa. Assim, em um dia, ele deve conseguir fazer dez casas. Cinqüenta casas por semana, o que, dividido por dois dá umas vinte e cinco casas, o que rende (agora está em uns cento e trinta por mês) Três mil duzentos e cinqüenta, uma boa grana, deu pra pagar a faculdade mas não dá mais pra largar, pra dar o próximo passo. Agora a piscina está toda agitada, feliz, limpinha, e eu ouço a bomba durante as pausas do “Let it bleed” que eu estou ouvindo. A empregada estava arrumando as camas, por isso não ouviu a campainha.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Quando passar dê tchauzinho




O feriado chuvoso e fresco inspira divagações melancólicas. As plantas túrgidas e intumescidas de clorofila balançam com os saltos dos grandes sabiás que tentam cloacar as barulhentas fêmeas no cio. Quarenta e seis minutos e quarenta e um segundos do terceiro dos primeiros quartetos de Beethoven, em ré majeur, o tipo de música que te deixa mais inteligente, já associado a doces memórias de longas divagações alcoólicas andando de um lado para o outro sozinho na sala com um uiscão na mão, com muito gelo para controlar a velocidade e a hidratação, um ritmo todo próprio determinado pela fusão do gelo no álcool amarelo. Aqui na minha torre controlo tudo. A grande parede de vidro à minha esquerda, e o ripado com as mirradas e maltratadas orquídeas penduradas, felizes apesar de tudo, a vista do escritório plantado em cima do pé direito e meio da sala. Por este vidro esquerdo vejo o corpo principal da casa. Primeiro, na quina mais distante de onde estou, o quarto da filha mais nova, pendurado sobre o terracinho em um palito de concreto, desses feito com tubo de papelão espiralado. Depois, o janelão fosco do seu banheiro, de vidro jateado esverdeado, com um dos basculantes permanentemente aberto. Daí a janela igual do banheiro da filha mais velha, e o seu basculante aberto. Na seqüência, a janela do quarto desta filha, quadradona de correr, como as outras, todas ligadas por uma régua de concreto estreito à guisa de beiral pequeno demais, as folhas por fora penduradas num travessão. Continuando, a janela do meu quarto, e a grande chaminé da lareira supostamente alentejana, os tijolos arrumados como castelo de cartas na grelha da saída, em vermelhão de pó xadrez já desbotado, de novo o terracinho do orquidário onde amarro a minha rede, um lugar íntimo porque dá na altura do pé o janelão do meu banheiro, com o inevitável basculante aberto. Esses basculantes são certamente os responsáveis pelo vazamento de pernilongos, uma constatação importante neste início de temporada. Olhando à minha frente, voltado para o sul, o longo corredor sobre a caixa da escada, seis degraus para descer o meio pé direito extra, e um grande vidrão, agora vertical, de pé direito e meio, a falha na privacidade da casa, que devassa parte da cozinha do vizinho, mal coberta por um bambu que nunca chegou lá. Esse espaço estreito de doze metros e altura variável é forrado por uma taquara genuinamente mineira de Botucatu, ainda quase totalmente inteira com dez anos de idade, fora um leve desbeiçamento lateral, nenhum sinal de cupim. No canto direito oposto ao vidrão vertical, um janelão de um metro e meio quadrado e fixo na face oeste, virado para a rua, protegido do poente por uma persiana comum. Vigio o movimento, escrevo sentado para a frente e volta e meia minha visão periférica é acionada por um movimento qualquer, pedintes, garis, carroceiros, distribuidores de panfletos, serviços de gás, tv a cabo, coisas do gênero, nos sábados de manhã esportistas de fim de semana, gente com cachorro, passantes. Mas com essa chuvinha criadeira em pleno feriado não passa ninguém. Consulto o jogador de média, e o disco ainda vai pelo meio.

sexta-feira, outubro 05, 2007

E viva o Guga*

Senhor Fausto Wolff,

Compreendo a sua difícil posição, de ser obrigado a confessar o furto da propriedade intelectual de um colega de profissão, mas lamento o uso da ironia como cortina de fumaça da sua própria vergonha, denunciando o plágio de um outro colega, o Salomão Schwartzman, e pior, atacando um leitor indignado (leitores, além do autor, são também vítimas do plágio) que com toda justiça reclama indenização ao plagiado, expondo seu nome e endereço não para conseguir seus quinze minutos que um e-mail jamais proporcionaria, mas para evitar ostensivamente o escudo do anonimato.

Não sou um leitor do seu blog ou do JB, mas me interessei pela discussão porque a questão do plágio me atrai. A maioria das denúncias de plágio me parece infundada, fruto da incompreensão da atividade criadora, como aqueles que acusam Jobim de ter plagiado Chopin em "A insensatez". Eu imagino a cena do Jobim mostrando ao Vinícius a molecagem de tocar o prelúdio em ritmo de bossa nova, e o poeta já aproveitando o mote da insensatez de assim interpretar a obra. A carga de novidade é tão grande que o prelúdio passa a ser o simples chassis de uma obra original de grande qualidade.

A idéia desvinculada do produto final que a suporta não tem proteção legal, um conceito que contraria a intuição, em um primeiro momento, mas está bem fundado nos limites do alcance da lei e da atividade jurisdicional. O leigo intuitivamente compreende que o autor não é quem inventa a história, mas quem a conta. É o que fica claro no cinema, que apesar de ser considerado para efeitos jurídicos uma criação coletiva, todo mundo reconhece maior - para não dizer toda - carga autoral para a figura do diretor, que é quem efetivamente conta a história. São muitos os exemplos da mesma história contada por diversos autores, como a história de Canudos, por Euclides da Cunha e Vargas LLosa, ou mais recentemente a história do Zorro, recontada pela Isabel Allende.

A baixeza da sua defesa, servilmente se desculpando do autor como se fosse crime menor roubar de um anônimo criador perdido na internet, impede qualquer empatia ou compaixão com a sua confissão. Melhor solução seria mudar de nome ou de profissão.

Anonimamente

Pecus Bilis
*Guga aqui.

quinta-feira, outubro 04, 2007

terça-feira, setembro 25, 2007

Genérico

Gíria criada em 1999 pelo então ministro da saúde José Serra, significando artigo pirata, contrafação, sósia, cópia, diluição, imitação de qualquer tipo.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Frases de efeito

Sou contra frases de efeito. Pra mim, frases de efeito são só frases de efeito. Esta é uma frase de efeito. E outra: o único pecado do Poder é o abuso. Desde as relações pessoais às institucionais, o abuso do poder é o crime. Pode se manifestar na indiferença, na sujeição, na afetação de superioridade, ou na obtenção de vantagem pura e simples. O problema é quando se dá de forma involuntária, sem a consciência da detenção do poder, daí é difícil julgar. Aliás, julgar, só em último caso. Muito melhor apreciar as maravilhas da miséria humana, e se divertir com os fiodores.

terça-feira, setembro 11, 2007

Outra generalização

Sou contra generalizações, mas falando em superação, separações são quase mortes. Tem a indignação, a revolta, o inconformismo e a dor, que só o tempo supera. O período em que isso acontece é o luto, que não pode ser suprimido. Velório, enterro, sétimo-dia, e um ano, quando já se aceita. A morte normalmente é sem culpa do morto, o que facilita. Na separação, ainda que a dor do deixante seja quase igual, é um direito inalienável do deixado falar mal, muito mal, do deixante, pra quem quer que seja, do porteiro do prédio ao inimigo. Equivale ao luto, deixar a alma desencarnar.
Em tempo: Relendo hoje, 12, preciso fazer um reparo mais ou menos óbvio. A ausência de vontade do morto facilita quanto a revolta. É claro que a dor da perda é muito maior.

segunda-feira, setembro 10, 2007

A grande guerra pela civilização

Li por enquanto umas 330 páginas do livro do jornalista Robert Fisk, correspondente de guerra no oriente médio por quase três décadas. Ainda estou no comecinho, na década de oitenta, e já foram narradas suas experiências na invasão soviética no Afeganistão, a tomada de poder no Iraque por Saddam, a revolução islâmica de Khomeini (lembra da marchinha? “Kho-kho-kho-meini...”), e a guerra Irã-Iraque. É engraçado como o terror e a guerra nos fazem perder um pouco da perspectiva histórica óbvia do imperialismo inglês substituído pelo norte-americano, com a “diplomacia” intervencionista de terrorismo de estado da CIA, em convivência com o soviético, ambos fomentando as piores ditaduras e as guerras mais sujas, vendendo armas para todos os lados, pra tentar controlar o petróleo e o mercado das armas, principalmente, e tudo mais que for possível. Aliás quase nenhum país europeu escapa, e todos têm sua parcela de responsabilidade. Dá pra entender o fundamentalismo islâmico como única resposta possível à arrogância do Grande Satã Americano.

quinta-feira, setembro 06, 2007

quinta-feira, julho 12, 2007

Despertador


Assisti anteontem a “The Painted Veil”, baseado em romance de Somerset Maugham, que já havia sido filmado em 1934, com Greta Garbo. Tem o título traduzido por “Despertar de uma paixão”. É uma tradição dos distribuidores nacionais este tipo de ridículo, talvez seja o preciosismo de manter o título da primeira versão. “Despertar” é um verbo que se usa pouco, um resquício de uso com o rádio-relógio, ex-despertador, cada vez mais alarm-clock, tendendo a alarme.

Na tela escura o que primeiro aparece é o “WB” que todos conhecem. O “B” sai para o lado e do bico central do “W” salta um pingo vermelho, revelando a “Warner Independent Movies”. Em seguida os créditos mostram como produtores as estrelas do filme, a linda Naomi Watts, ex-namorada do Rei Kong, e Edward Norton, do “Clube da Luta” . É uma grande produção, filmada na China, com cidade cenográfica e muitos extras com roupas de época, naquelas montanhas de pedra pontudas em meio as quais corre um rio verde - o que deve ser o mais manjado cartão postal chinês depois da Grande Muralha - , ou seja, nada barato. É engraçado a Warner montar uma companhia de filmes independentes, para abocanhar também esta beirada do mercado, e imagino que a produção dos atores, do ponto de vista de sua contribuição econômica, deve se resumir a trocarem seus cachês milionários por participação nos lucros.

O filme é sério, sóbrio, bonito de ver, sem cenas de nudez, com a questão central de costumes já superada, do adultério como crime, mas ainda assim traz relevância pela maneira que olha as nossas fraquezas. Gostei muito da cena em que o inglês, com sua concubina chinesa e o casal protagonista relaxados e bêbados, ao atender ao pedido da heroína para que perguntasse à moça o que ela tinha visto nele, obtém a resposta em chinês e traduz: “disse que sou um homem bom”. A heroína replica com desdém algo assim: “até parece que as mulheres se apaixonam pelos homens por causa das suas virtudes”. A frase deve ter ficado ótima na Greta Garbo.

domingo, julho 08, 2007

Beijos voadores


Assisti ontem a outro lançamento em DVD, “Beijos Proibidos” (Baisers Volés), de 1968, o terceiro da série com o personagem Antoine Doinel, segundo se diz o alter ego de François Truffaut, realizada em um período de vinte anos. São cinco filmes, o primeiro de 1959, “Os incompreendidos” (400 coups), o segundo, de 1962, um episódio de um filme de cinco diretores diferentes, “O amor aos vinte anos”, e mais “Domicílio Conjugal”, de 1970, e “O amor em fuga”, de 1979. O ator é sempre o mesmo, Jean Pierre Léaud.

É um filme antigo, de uma época em que a experimentação e a qualidade autoral do filme eram muito valorizadas, e permitia uma linguagem muito pessoal para falar de si mesmo. Não tem uma história no sentido tradicional, mas uma seqüência de acontecimentos mais ou menos independentes entre si, que têm como ligação o desenvolvimento da personalidade do autor, declarações que explicam a sua visão do mundo.

sexta-feira, junho 29, 2007

O livro de cabeceira


Assisti quarta-feira a um lançamento em DVD, “O Livro de cabeceira”, de 1996, do diretor inglês Peter Greenaway. É uma história intensa, erótica e violenta, narrada com uma estética espetacular e única, que tem como tema a escrita sobre corpos humanos. O sintético roteiro original está transcrito e traduzido aqui, pra quem não se impressiona em conhecer a história antes de ver o filme. O que você escreveria?

sexta-feira, maio 25, 2007

Bico-de-lacre



Aves bem pequenas de origem africana, bastante comuns em São Paulo, andam em grandes bandos, e quando não tem ninguém olhando às vezes vêm ciscar no meu pequeno gramado. Quando são surpreendidas, decolam com estardalhaço.

quarta-feira, maio 23, 2007

Prisão 3



(ouça aqui com o autor) Elliott Simth


drink up, baby, stay up all night

the things you could do,

you won't but you might

the potential you'll be,

that you'll never see

the promises you'll only make

drink up with me now

and forget all about

the pressure of days

do what I say

and I'll make you okay

and drive them away

the images stuck in your head


people you've been before

that you don't want around anymore

that push and shove and won't bend to your will

I'll keep them still


drink up, baby,

look at the stars

I'll kiss you again

between the bars

where I'm seeing you there

with your hands in the air,

waiting to finally be caught

drink up one more time

and I'll make you mine

keep you apart

deep in my heart

separate from the rest

where I like you the best

and keep the things you forgot

segunda-feira, maio 21, 2007

Prisão 2


Uma vez uma filha minha inventou de ter um canarinho e eu li um pouco sobre o assunto. O livro, escrito por um criador e por isso mesmo suspeito, dizia que são aves tão frágeis e temerosas dos predadores que são mais felizes na gaiola do que na natureza. E para reforçar o seu ponto sustentava que a gaiola de um canário tem sempre que ficar encostada a uma parede, para que ele possa controlar os lados restantes, como um gangster no restaurante. Pendurada livre, a recomendação era de que um dos lados fosse coberto por um papelão. É uma tese.

sexta-feira, maio 18, 2007

Prisão 1


Acordar minutos antes do despertador tocar, consultar o relógio com pouca esperança de ainda haja tempo pra dormir um pouco. Esfregar os olhos, tomar coragem pra sair das cobertas quentes como quem mergulha na piscina sem saber a temperatura da água. Lá fora ainda está escuro e provavelmente frio, talvez até ventando ou ainda uma leve garoa.. Dez minutos para a seqüência de providências: tomar água, urinar, por as lentes de contato no olho remelento, escovar os dentes apressadamente, ficar nu, pesar, vestir, a dúvida em evacuar agora ou na volta. Encher o “squeeze” de água, comer uma barra de cereais, pegar a chave, a carteirinha, a bicicleta com os pneus já um pouco murchos, e pedalar pelo asfalto irregular, os músculos ainda doloridos do dia anterior, a força extra da subida da ponte, a troca de marchas nada suave do câmbio barato, o freio guinchando na descida, bater na porta da passagem de pedestres da alça da ponte da cidade universitária para que o sonolento guarda abra, contornar os bloqueios que seguram os pedais e acelerar já paralelo à raia. Abrir com a mão o portão automático há meses quebrado, deixar a bicicleta no apoio, tirar a chave da meia, pegar o squeeze, ir até a garagem, cumprimentar o pessoal tomando várias decisões rápidas da modalidade de cumprimento a cada um, de acordo com a circunstância, alongar-se se não estiver atrasado, ouvir as piadinhas bobas de sempre, levar os remos para o flutuante, tirar o barco da estante, por no cavalete, checar as peças móveis, por o barco sobre a cabeça, andar até o flutuante, por o barco na água, encaixar os remos nas braçadeiras, embarcar com cuidado, remada um dois três quatro, um ou outro educativo, treino, tiro, ignorar como os outros os inúteis comandos do chefinho na proa, se a ressaca for braba torcer pra acabar logo, se estiver inteiro achar pouco. Encostar, soltar o parafuso da braçadeira, tirar o remo, calçar o tênis, por o barco sobre a cabeça, levar até o cavalete, secar o barco ou buscar o remo, por o barco na estante, escamotear o alongamento, despedir-se vagamente, pegar a bicicleta no cavalete, pedalar até em casa já tendo que contornar os pedestres na ponte, largar a bicicleta debaixo da escada, sentar pra tomar café ou correr até o trono, se for necessário, de qualquer jeito folhear o jornal. Ficar nu, pesar-se, tomar banho, pentear-se, fazer a barba, escovar os dentes, passar fio dental, vestir-se, pegar as contas sobre o móvel da sala, entrar no carro, acionar o controle remoto para abrir o portão, ligar o rádio, e pegar o caminho da roça.

quarta-feira, maio 16, 2007

O animal que pensa que já não vale mais

Parei de fumar no dia 26 de agosto de 2000. Foi nessa época que comecei a fazer check-ups, e estive com o colesterol um pouco elevado. Descobri que as carnes de animais silvestres têm pouco colesterol, são menos gordurosas. Ao contrário dos porcos, bois e frangos, selecionados ao longo de milênios pela característica do maior acúmulo de gordura no menor tempo possível, os animais silvestres tem uma alimentação variada e uma vida ativa, são magros atletas. E mesmo os criados em cativeiro mantêm tais características, por que não foram submetidos à seleção pela aptidão para engorda. Resolvi comê-los. Descobri uma loja na Oscar Freire que vendia uma boa variedade de animais silvestres, e comecei pelo búfalo. Fiz alguns churrascos, e a carne, apesar de boa, vinha em cortes grandes e desajeitados. Daí experimentei o javali, que já tinha comido antes, talvez na Argentina. Comprei um pernilzinho, e perguntei à vendedora o modo mais fácil de preparar. Ela me indicou um vinho fortificado temperado que ela vendia, um aspirante a madeira. Usei e ficou muito gostoso, de um dia para o outro no vinho, mais alguns temperos. E fiz uma cinco ou seis vezes assim. Há um ano ou dois a tal loja fechou. Resolvi fazer o bicho para alguns amigos, e fui ao mercadão procurar. Achei um outro corte de pernil, chamado “corte Fleury”, maior, mais carnudo e com menos osso, e com uma capa de gordura, com um pouco mais de três quilos. Mais macio, mais ajeitado e fácil de cortar. Quando a Sra. Bílis resolveu retribuir o gentil convite da Franka para jantar, no qual foi servida uma maravilhosa moqueca, lembrei do javali e fui ao mercadão comprar. Mas não encontrei o vinho fortificado. Fiz uns cálculos mentais de equivalência e resolvi comprar um porto, pois achei que daria um efeito similar para melhor, devido à qualidade da bebida. Comprei um tawny mais para o seco. Em casa cortei a ponta do saco que continha o pernil na medida de caber a mão, enfiei os temperos de praxe, salsinha, cebolinha, tomilho, um raminho de alecrim – é um tempero perigoso, dominante – cebola, alho, pimenta-do-reino, louro e um pouco de sal, despejei a garrafa inteira do vinho, e fechei o plástico com elástico em torno da ponta do osso. Ficou bem vedado, a pata praticamente mergulhada no vinho, e foi virada várias vezes na noite e no dia que antecederam a assadura. Na hora do forno, pus mais um pouco de sal diretamente sobre a carne, e foi pouco, o que não chegou a ser um grande problema, pois foi fácil corrigir o sal do molho abundante. Da próxima vez usarei o método do Bassi para salgar. Na hora de por no forno, à temperatura ambiente, salgar com sal grosso e deixar por dez minutos (é uma carne grande, para uma picanha seriam cinco minutos) e depois tirar tudo. Uma hora de forno para cada quilo de carne, a primeira hora com papel alumínio, guardei um pouco do molho pra depois. Ficou legal, macio e saboroso.

terça-feira, maio 15, 2007

Utilidade pública

Existe um cacoete de linguagem horrível que anda por aí, em textos profissionais de quem quer se meter a falar difícil, que é o ridículo "no que pertine". O verbo "pertinir" não existe. Existe o verbo pertencer, que deriva de pertinência, pertence, pertença, a relação de propriedade, atribuição, domínio, o necessário.

segunda-feira, maio 14, 2007

Ingratidão

Depois de dar o melhor de mim, em parceria com a Sra. Bilis, em um jantar oferecido à Franka, seu famoso marido Zé, e mais dois simpáticos casais, executando o melhor do meu limitado repertório culinário e mantendo os copos ininterruptamente cheios do melhor vinho da minha modesta adega, vejam o que a Franka aprontou comigo lá no Frankamente.

sexta-feira, maio 11, 2007

Tá bom eu confesso


Frei Galvão, canonizado hoje, aquele ao centro com a mãozinha levantada, é meu parente. Tenho 1.024 avos do seu sanguinho bom.

terça-feira, maio 08, 2007

Monossilábicos




Ando meio silencioso por falta de assunto. Meu interesse está voltado para o mar, e todo mundo sabe que surfistas se comunicam por monossílabos. Embora eu não seja mais que um diletante de fim-de-semana, meu bom condicionamento atual tem me proporcionado bons momentos. Estamos na temporada das ondas, e toda semana entra um marzão novo. Vejam só o que entra amanhã, o qual espero pegar, já em declínio, no sábado de manhã.

sexta-feira, maio 04, 2007

Blues & Jazz



New York Jazz - Inauguração do Birdland em 1949 com o homenageado Charlie Parker presente







Chicago Blues - Buddy Guy e Junior Wells

segunda-feira, abril 30, 2007

quinta-feira, abril 19, 2007

Há dois anos, o primeiríssimo post


O presente da Franka



Dia cheio.
Aniversário do Rei Roberto, Dia do Índio, do Santo Expedito. Nasceram Bento XVI e Pecus Bilis.

sexta-feira, abril 13, 2007

Presente de grego


Fui a uma festa de 50 anos ontem, e alguns amigos do aniversariante o presentearam com um show de um Elvis Presley. Realmente, era um Elvis muito bom, como vocês podem ver. Cantava bem, uma boa presença, e tinha as qualidades de animador de auditório para divertir os convidados. Disse ser o Elvis mais antigo ainda em atividade, e que suas roupas eram “originais”, certificadas pela Graceland Foundation ou coisa que o valha. Na foto é o traje Red Dragon, segundo esclareceu, o mesmo que usou na festa. Todos os Elvis escolhem a fase Vegas para interpretar, possivelmente pela facilidade. É só comprar a fantasia e pronto. O Elvis com roupa de super-herói, capinha e tudo, de lantejoulas, gordo, com as grandes suíças, o cabelão, e o óculos escuros é uma triste caricatura de si mesmo. E apesar de ter perdido completamente a noção e o enorme charme dos primeiros anos, mantinha intacto seu gigantesco talento. Mais uma vítima do chamado celebrity system.

quinta-feira, abril 12, 2007

Não é que eu queira me gambá




mas apesar dos abusos mais ou menos freqüentes, o músculo cardíaco está tinindo. Nada que impeça uma repentina boa morte.

segunda-feira, abril 09, 2007

Mil livros


Chegou na minha casa um brinde da Mastercard, "Mil livros que você precisa ler antes de morrer", e resolvi começar pelo "Grande Sertão: veredas". Estou mais ou menos na metade e começo a desconfiar que o tal Diadorim é uma mulher disfarçada de homem.

sexta-feira, março 23, 2007

O cheiro do ralo

Fui assistir no Unibanco 2 “O cheiro do ralo”, filme de Heitor Dhalia sobre romance de Lourenço Mutarelli, o sombrio quadrinista de quem falei aqui uma vez, a propósito de um inacreditável documentário sobre sua vida, o “Tarja Preta”. Cansado de desenhar, uma atividade que dá muito trabalho, o autor resolveu escrever, e, porque não, atuar, no filme feito a partir do seu livro. Ao que consta no guia deste fim de semana do Estadão, os patrocinadores quando viram o tamanho da encrenca recusaram a associação com o filme, que acabou sendo realizado quase de graça, com o esforço pessoal dos envolvidos. Liberdade total e um roteiro pouco exigente em termos de produção resultou num produto bem acabado em todos os aspectos. Os ângulos mais sinistros da alma humana vistos com a ótica inocente e mecânica de um neutro olho de vidro. Selton Mello arrasa como protagonista em tempo integral coadjuvado por uma bunda enorme e maravilhosa.

terça-feira, março 20, 2007

Ficou assim


quinta-feira, março 15, 2007

sexta-feira, março 02, 2007

Eclipse

No dia 3 de março, sábado, haverá uma eclipse total da Lua no começo da noite, segundo o INPE:

Eclipse lunar total em 03/03/2007
Nascer da Lua: 18h29min
Ocaso da Lua: 05h36min
Magnitude: 1,23
Fase umbral começa às 18h34min
Fase total começa às 19h48min
Instante do máximo do eclipse: 20h24min
Fase total termina às 21h00min
Fase umbral termina às 22h13min
No Brasil, é avistado praticamente de todo país no início da noite (nascer da Lua).

Como a Lua estará cheia, se o tempo estiver bom deverá ser um belo espetáculo. Para os paulistanos, a previsão é de parcialmente nublado, com 40% de possibilidade de chuva, então precisaremos de um pouco de sorte. A fase umbral não deve ser muito perceptível, mas a total deve ser legal. A sombra da Terra avançará sobre a Lua cheia e a devorará completamente em 36 minutos. O tempo de tomar um drinque ao ar livre antes do jantar.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Um pequeno mistério

Segunda-feira de madrugada, um pouco antes das cinco, estava eu saindo de bicicleta para ir remar quando deparei com uma latinha de cerveja vazia, na cobertura de cerâmica da caixa de cartas, que fica meio escondida num canto do jardim da frente. Era de uma marca que eu não costumo comprar, e fiquei preocupado que alguém tivesse entrado em casa à noite, tomado a cerveja e deixado ali, de propósito, pra assinalar uma presença maligna. Como as fitas de vídeo do filme Cachê, pra quem não se lembra, longas gravações da frente de uma casa, entregues na casa só para intrigar a família. Cogitei das possibilidades. Uns dias atrás perdi um chaveiro que eu montei pra usar com a bicicleta, com as chaves da casa, e uma leve e controlada paranóia se instalou, de que alguém pudesse ter achado, identificado e usado. Lembrei que o meu cunhado tinha vindo almoçar no sábado, e havia uma improvável possibilidade dele ter chegado tomando a cerveja e largado lá. Transferi a preocupação para a minha mulher, e esqueci do assunto. Ela também se preocupou, consultou o irmão, que negou a deselegância. A nossa empregada solucionou o mistério. Ao sair no sábado à tarde, encontrou a latinha na calçada, e zelosa, mas nem tanto, porque devia estar com um pouco de pressa, pegou a latinha e deixou lá para jogar fora depois, ou “reciclar”, sei lá, que ficou o domingo inteiro ali, sem ser notada.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Milhas acumuladas

Este fim de semana cozinhei pra minha sogra. O aniversário dela caiu no Carnaval, e lamentavelmente não pudemos estar juntos. Também era o aniversário de uma netinha dela, filha do meu cunhado, que teria sua festinha outro dia. Minhas filhas fizeram um bolo e brigadeiros, e eu me arrisquei – ou melhor, arrisquei a sogra e o cunhado – num ragu de cordeiro que já tinha executado uma vez, com algumas falhas que pretendia corrigir.

Usei uma receita que achei a esmo na internet, que me pareceu simpática porque recomendava tomates passados comprados na xepa da feira para o molho, e que seu usasse a carne de carneiro mais gorda que se encontrasse. Me fiando nessas recomendações, da primeira vez fui ao açougue e comprei uma paleta desossada, que me pareceu mais de um carneiro do que de um cordeirinho. Cortei em cubos sem maiores preocupações, e as moças reclamaram dos nervos e gorduras na carne misturada ao molho.

Desta vez comprei as duas únicas paletas que encontrei no supermercado, com osso e de cordeiro mesmo. Sabia que a perda ia ser grande, e daqueles mais de três quilos deveria sobrar pouco mais de um quilo de carne absolutamente limpa. Fiquei um tempão desossando e limpando aquela pouca carne, lamentando os lindos nacos descartados por estarem entremeados de um simples nervinho. A operação me custou três pequenos cortes na ponta dos dedos da mão esquerda.

A receita é simples. Peguei os cubos de carne lavados e secados, joguei todos de uma vez numa panela com azeite quente, para dourar. Depois do início do processo, pus as ervas recomendadas, alecrim e orégano fresco em quantidade menor que da primeira vez, que ficou exagerado, e um pouco de sal e pimenta do reino. Era um dos passos que eu pretendia aprimorar, mas fiquei com preguiça. Em vez de pôr para dourar toda a carne ao mesmo tempo, pensei em “saltear” aos poucos, três ou quatro cubos de cada vez, pra não soltar toda aquela água como aconteceu da primeira vez, o que impede de dourar e põe a carne a cozinhar. Repeti o erro, mas ao meu lado estava descascando e picando os tomates a nossa cozinheira, que sugeriu tirar o excesso de líquido, e ir pondo aos poucos, o que eu fiz e deu muito certo. Dourada a carne, pus os dois copos de vinho branco como recomendado, e esperei evaporar. Ao ver toda a imensa quantidade de cebola picada – oriunda de uma única translúcida redoma – achei melhor refogar tudo aquilo no azeite, antes de pôr na panela com os dois quilos de tomate descascados, limpos de sementes e picados. Ficou um molho de macarrão aceitável, nenhuma princesa reclamou da ervilha sob o décimo-sexto colchão de plumas de ganso.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Onde é?


Não digo a autoria agora pra não facilitar.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Bilac

Hoje no almoço meu pai declamou um soneto que aprendeu com meu avô, por este atribuído a Bilac:

VIDA PRIVADA

Cigarro aceso, o fumo em espirais
Formando vai a nuvem azulina.
O cabra, sobraçando alguns jornais,
Arria a calça e senta na latrina.

Enquanto caga, lê os editais,
Notícias, telegramas, a mofina,
Lê depois os anúncios garrafais,
E peida, com saudade da menina.

A coisa aperta um pouco, apavorante.
Uma careta faz, franze o semblante,
E sai um cagalhão que ao cu faz mágoa!

Está tudo acabado. Ele suspira,
A ponta do cigarro fora atira,
Levanta, limpa o rabo, e puxa a água



Da mesma fonte, a lição de português:

Ao bilheteiro:

"Por favor, uma passagem para Guaratinguetá".

Que responde, pedante:

"Em primeiro lugar, não é Guaratinguetá, mas Guaratingüetá. Em segundo lugar, o trem acabou de partir".

Ao que replica:

"Então cagüei-me".

No post anterior, sim, é o Copan. O prêmio é um expresso no Café Floresta, a todos os acertadores.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Onde é?

terça-feira, janeiro 30, 2007

Primeiro a do Caçador de Pipas, depois a do Neve

O livro favorito de Hassan era o Shahnamah, a epopéia dos antigos heróis persas do século X. Gostava de todos os capítulos, os shahs do passado, Feridoun, Zal e Rudabeh. Sua História Favorita, porém, e minha também, era “Rostam e Sohrab”, um conto sobre o grande guerreiro Rostam e seu cavalo velocíssimo, Rakhsh. Durante uma batalha, Rostam fere mortalmente seu valente adversário, Sohrab, e acaba descobrindo que o rapaz é, na verdade, o filho que tinha perdido há muito tempo. Atormentado pela dor, Rostam ouve as últimas palavras do filho moribundo:

Se sois efetivamente meu pai, então manchastes vossa espada com o sangue do vosso filho. E fizestes isto por vossa própria obstinação. Pois procurei convertê-lo ao amor e implorei chamando o vosso nome, já que julguei encontrar em vós as qualidades de que minha mãe tanto falava. Mas foi em vão que apelei para vosso coração, e, agora, é tarde demais para qualquer aproximação...

- Leia outra vez, por favor, Amir agha – dizia Hassan. Às vezes ficava com os olhos cheios de lágrimas enquanto eu lia a passagem e, nessas horas, sempre me perguntei por quem ele estaria chorando: seria pelo sofrimento de Rostam, que rasga as próprias roupas e cobre a cabeça com cinzas, ou pelo moribundo Soharab, que só desejava o do pai? Eu, pessoalmente, não era capaz de perceber a tragédia do destino de Rostam. Afinal de contas, todos os pais, no fundo de seu coração, não abrigam o desejo de matar os filhos?


***

“Há muito, muito tempo atrás houve um guerreiro incansável, corajoso como ninguém, que vivia no Irã. Todos os que o conheciam o amavam. Eles o chamavam Rüstem, e assim também o chamaremos. Certo dia, quando caçava, ele se perdeu na floresta, e à noite, enquanto dormia, perdeu o cavalo. Enquanto procurava Raksh, seu cavalo, Rüstem foi parar em Turan, que era uma terra inimiga. Mas como sua fama o precedeu, eles o trataram bem. O xá de Turam acolheu-o como hóspede e organizou uma festa em sua homenagem. Depois da festa a filha do xá procurou Rüstem em seu quarto para declarar seu amor por ele. Ela lhe disse que queria ter um filho seu. Ela o seduziu com sua beleza e com suas belas palavras, e logo os dois estavam fazendo amor.

“Na manhã seguinte, Rüstem voltou para seu país, mas deixou uma lembrança – um pequeno bracelete – para que o filho que ia nascer. Quando a criança nasceu, chamaram-no Suhrab, então assim também vamos chamá-lo. Anos depois, sua mãe lhe contou que seu pai eram ninguém menos que o legendário Rüstem. ‘Eu vou para o Irã’, disse o rapaz, ‘para deporo perverso xá Keykavus e colocar meu pai no lugar dele... e então vou voltar para Turan e fazer exatamente a mesma coisa com o perverso xá Efrasiyab, e quando tiver feito isso, assumo o lugar dele. E então meu pai Rüstem e eu reinaremos com justiça sobre o Irã e Turan – em outras palavras, todo o universo!’

“Assim falou o puro e generoso Suhrab, mal sabendo que seu inimigos eram muito mais espertos e astutos que ele. Porque Efrasiyab, o xá de Turan, dava seu apoio na guerra contra o Irã, mas ao mesmo tempo colocou espiões no exército para garantir que Suhrab não iria reconhecer o pai.

“Depois de muitas trapaças, astúcias, cruéis reviravoltas do destino e coincidências, tramadas todas elas, ao que ele sabia, pelo Sublime Todo-Poderoso, chegou o dia em que Suhrab e seu pai Rüstem se viram face a face no campo de batalha, cada um com um exército atrás de si. Nenhum dos dois conhecia o rosto do outro, mas pouco importa: ambos estavam com armadura – e nem é preciso dizer que não se reconheceram. Rüstem, naturalmente, desejava continuar anônimo dentro da sua armadura: do contrário, quele herói à sua frente poderia investir com toda a sua fúria e sua força especialmente contra ele, Rüstem. Quanto a Suhrab, seu coração infantil só parava para se perguntar quem era seu adversário. E assim aconteceu que esses dois grandes e generosos guerreiros, que eram pai e filho, à frente de seus respectivos exércitos e observados por eles, lançaram-se para a frente e sacaram suas espadas.”

Azul fez uma pausa. Antes de olhar Ka nos olhos, acrescentou numa voz infantil: “Embora eu tenha lido essa história centenas de vezes, sempre sinto um arrepio ao chegar nessa parte, e meu coração dispara. Não sei porque, mas por alguma razão me identifico com suhrab quando ele se preara para matar o pai. Quem poderia querer matar o próprio pai? Que alma poderia suportar a dor desse crime, o peso desse pecado? Especialmente meu próprio Suhrab com seu coração inocente! A única esperança é que a essa altura Suhrab mate seu adversário sem saber quem ele é”.

“Enquanto esses pensamentos perpassam minha cabeça, os dois guerreiros começam a lutar, e numa luta que dura horas nenhum dos dois consegue derrotar o outro. Molhados de suor e exaustos, eles embainham suas espadas. Quando chegamos ao anoitecer do primeiro dia, estou tão preocupado pelo pai, como pelo filho, e quando continuo a história, é como se eu a estivesse lendo pela primeira vez. Ouso sonhar que o pai e o filho não serão capazes de matar um ao outro e encontrarão alguma forma de contornar aquela terrível situação.

“No segundo dia, os dois exércitos se alinham mais uma vez, e mais uma vez o pai e o filho, protegidos por suas armaduras, travam um combate implacável. Depois de uma longa luta, a sorte sorri para Suhrab – mas podemos chamar isto de sorte? – e ele derruba Rüstem do cavalo e o imobiliza no chão. Ele saca da espada e, quando está prestes a cortar o pescoço do pai, falam para ele: ‘No Irã um herói não costuma cortar a cabeça de um inimigo na primeira ocasião. Não o mate; seria cruel demais’. Então Suhrab não mata o pai.

“Quando leio essa parte fico muito confuso. Sinto muito amor por Shrab. Qual o sentido desse destino que Deus traçou para esse pai e esse filho? Quanto ao terceiro dia de luta, um dia que esperei com tanta ansiedade – contra todas as minhas expectativas, ele acaba num instante. Rüstem derruba Suhrab do cavalo e, slatando para a frente, enfia a espada nele e o mata. A rapidez desse ato é terrível, chocante. Quando vê o bracelete e se dá conta de que matou o filho, Rüstem se ajoelha, toma nos braços o corpo do filho e chora.”

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Shahnameh


Este é o nome de uma coletânia de épicos persas, escritos por volta do ano 1000 por um certo Ferdosi. É enorme. Curiosamente, uma de suas histórias, a de Sohrab, é uma referência importante não só do "Neve", do Orhan Pamuk, o turco ganhador do Nobel 2006 de literatura, como do manjado "O Caçador de Pipas", do afegão Khaled Housseini, que eu li neste último feriado.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Controle

Entreguei todos os meios de comunicação à distância da minha casa a uma operadora de tv a cabo. Telefone, tv e internet. Numa perspectiva paranóica, supondo que eles (paranóico sempre fala “eles”) auscultassem tudo o que se passa na minha casa, aprendessem nossos hábitos de consumo de cultura e de contato, identificassem as nossas redes sociais, saberiam exatamente quem é aquele cara, cujo cadastro tem em mãos. Foda, né? Uma parte disso eles podem fazer sem violar (isso é uma palavra) a minha privacidade tantas vezes remendada.

Acabei de assistir “Pequena Jerusalém”, um filme cabeça sobre o autocontrole, entre outras grandes questões.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

One nesgow

Os livros de aventura que eu li na minha primeira adolescência, depois do Monteiro Lobato e assemelhados, foram os de uma coleção de quarenta e oito volumes de Júlio Verne (hoje não se traduz mais nome próprio, seria Jules), que eu escolhia pelo título, e de uma coleção de Tarzan, Terramarear, assim, tudo junto. Depois passei para os que tinham, preferencialmente, cenas de sexo, como os de Jorge Amado, e best-sellers americanos da década de setenta, como “Os Insasciáveis”, título cheio de promessas efetivamente cumpridas. O Zorro da Isabel Allende é um nascido clássico da literatura de ação. O peso do livro é centrado na formação do herói, como ele adquiriu suas inúmeras habilidades, um engenharia reversa muito bem encaixada. A esgrima, o cavalo, o chicote, as cordas, as alturas, a roupa preta, a personalidade dividida e sorrateira. E também o contexto é muito bem construído, de um ponto de vista de uma socialista da América Latina, no ocaso das monarquias absolutas da Europa, a libertação das colônias e a formação da república moderna. Claro que numa visão idealista e utópica de justiça social, como convém aos muito jovens, a quem é dirigido, com um balizamento histórico sério. E por ser escrito por uma moça, o cotê romântico do Zorro é tão importante quanto sua atuação como herói.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

...

É, a virada do ano não foi fácil, fui acometido de uma macunaímica preguiça de blogar. Não será certamente falta de assunto, na pior das hipóteses a função diário preenche qualquer espaço, disfarçar os fatos potencialmente constrangedores revelando o máximo possível, e tentar não enfeitar a jogada, mas mostrar o que há de interessante na morbidez do cotidiano. O fato é que quando não estou cansado não tenho tempo, e quando tenho tempo estou cansado, ou simplesmente com preguiça. Poderia também falar os outros hits de natal que eu li, “A Neve”, de Orhan Pamuk, e “Zorro” de Isabel Allende, se não estivesse com tanta preguiça. E ainda as cambaleantes tentativas culinárias, os espaçados excessos alcoólicos, o remo intermitente das férias, ou só uma pausa de mil compassos, como diz o Paulinho da Viola.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Vendeta

Uns três ou quatro anos atrás minha filha teve que ler para o colégio uma interessantíssima história de amor passada no Cáucaso, no começo do século XX, do qual acabamos lendo todos juntos boa parte em voz alta numa longa viagem de carro. Foi em “Ali e Nino”, de Kurban Said, que eu achei uma boa explicação para a vendeta. Na guerra entre clãs, quando um membro é morto, cria-se uma desvantagem numérica que deve ser compensada, matando-se um membro do outro clã. E se o morto ainda não procriou, a desvantagem se multiplica. É a morte justa, segundo os padrões tribais. Imagino que esta deve ser a origem da pena de morte, um resquício desta compensação, agora inútil e desnecessária. O respeito incondicional à vida é um dos principais esteios do contrato social moderno, e as exceções como o aborto e a pena de morte são perigosíssimas, brechas por onde a arbitrariedade sobre-humana pode se infiltrar. Nunca acreditei que as penas físicas ou de restrição da liberdade tenham um efeito retributivo. Ninguém paga nada na cadeia, não faz sentido imaginar que o sofrimento do criminoso causa qualquer benefício à sociedade, sobrando de útil só o duvidoso caráter educativo em mostrar que o crime não compensa. O dano do crime só pode ser indenizado em dinheiro, na estranha matemática da avaliação das vidas, membros e faculdades, e traumas. Claro que bandido perigoso não pode andar solto, e assim fica preso por um prazo que se presume suficiente para a reabilitação, de acordo com a gravidade da ofensa, como o castigo “para pensar” das crianças. Pra mim também é claro que o criminoso precisa de ajuda. Salvo os doentes mentais, ninguém se exclui da sociedade – a terrível conseqüência do crime – sem um motivo grave. Também acho difícil convencer alguém com uma formação moral fraca a se contentar com um trabalho braçal remunerado com salário mínimo, ou suportar pacificamente o drama do desemprego, enquanto sujeitos como o Cinqüenta Centavos, o rapper americano, declamam canções dizendo “fique rico ou morra tentando”. Mas estou tegiversando. Porque mataram o Saddam mesmo?