segunda-feira, dezembro 25, 2006

L'Incroyable

Ba-ai James Brown


Natal, inúmeras garrafas de vinho, peru, tender, e até um rato atravessou o quintal, subiu pelas folhagens junto ao muro e desapareceu, no melhor estilo quebra-nozes, para terror da criançada. Hoje de manhã fui procurar os gargalos ainda com as rolhas dos espumantes decepados com L’Incroyable. Melhor que soltar rojão. Toc, pou, e o projétil vai fácil a uns sete, oito metros de distância. Todas na primeira, estou ficando craque, faria isso a noite inteira.

Hits literários de natal: “Travessuras da menina má”, do Vargas Llosa, uma eletrizante história de amor, melhor não contar nada, li do dia 22 (as mulheres resolveram fechar o escritório) ao 23, na cama, com três travesseiros, o janelão aberto, o ventilador ligado, depois de muito esporte, todo aquele algodão branco e fresquinho, entremeado com blitzes de última hora no super e no shopping.

No 23, a última volta no four do ano, inéditas quatro raias, a última na maciota com equilíbrio e sincronia também inéditos, pouco barulho na água, o barco andando muito bem, a sensação de evolução. Falta um pouco de força neste barco, temo que eu seja o mais forte, mas criamos uma ligação muito simpática, parece uma banda de rock, sem chefinho. Aliás, nada mais detestável que um cara metido a chefinho. Quem sabe conseguimos alguma coisa o ano que vem, se mantivermos a regularidade. Janeiro já não vai dar pra juntar os quatro nenhuma vez, por causa das férias.

Agora vou ler “A neve” de Orhan Pamuk, turco, Nobel 2006. Se tem uma cidade que tenho curiosidade de conhecer é Constantinopla, portal da Ásia e da Europa, o Bósforo que ouço falar desde as minhas primeiras leituras de Júlio Verne, aos doze, treze anos.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Rádio passat


Acho que o meu futuro de consumidor de produtos de cultura vem de serviços tipo rádio uol, com alguns canais para você ouvir música de qualidade, de graça e sem pirataria. Agora, por exemplo, estou ouvindo o canal Bob Marley. Uma barriga cheia é uma barriga cheia, uma mãe com fome é uma mãe com fome. Às vezes frustra-se a esperança de uma vasta amostragem de um artista, tem só uma palhinha para dar vontade. Bob Dylan já vi que tem bastante. Tenho preguiça de ficar gravando, guardando, colecionando. Tem tanta música boa por aí, é tão fácil ouvir o que o acaso traz, fora o grande estímulo da surpresa. Sempre gostei de rádio por isso. Já descobri muita música legal no rádio. Lembro até hoje de estar descendo a Pamplona no banco do passageiro do Passat verde musgo da minha mãe, que por um tempo eu usaria como meu, não sei se algum jovem lê este blog, mas posso esclarecer que não é o passatão de seis cilindros que se vê por aí, mas o primeiro quatro cilindros com radiador selado, o primeiro Volkswagen refrigerado a água, quatro marchas curtas, uma delícia de carro, o mais moderno carro nacional. Mas estava neste carro quando ouvi pela primeira vez o “Vicious”, do Lou Reed, que eu nem sabia quem era, ou melhor, sabia pelo “Take a walk” talvez, a esta altura dos acontecimentos não lembro mais exatamente a ordem das coisas. E o que me impressionou e me fez ir correndo comprar o disco, uma coletânea. foi o som de guitarra agudo e distorcido que comentava o refrão: “Vicious ... ta-na-ná ...”.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Parangolé

O Parangolé me questionou ter sido racista no meu último post, em que conto a história de um advogado duplamente uxoricida. Sim, ele era nordestino. Mas eu começo o texto “falando em Pimenta Neves”, presumidamente paulista, já que era um importante jornalista do Estadão. Em segundo lugar, nordestino não é raça, e assim, seria uma questão de regionalismo, que pode ser discriminatório como o racismo, mas tem uma conotação mais equilibrada de mão dupla. Tentei mostrar isso nos comentários, dizendo que o único traço distintivo que usei foi mencionar o sotaque carregado do advogado, pois assim parece o sotaque nordestino ao paulista, assim como ao carioca o sotaque paulista soa italianado: “cê tá intendeindo?” Falei ainda que existia uma questão cultural no uxoricídio, de cultura vencida e ultrapassada, a velha e gasta alegação de “legítima defesa da honra”, inconsistente em qualquer sentido. Não cola mais, e é este o sentido do post, a distinção das situações, o assassinato da primeira mulher, onde a impunidade foi completa, e o da segunda, em que o sujeito estava preso, e a comunidade reclamava a sua condenação. O Parangolé argumentaria que a discriminação do post estava na preocupação com o contexto geográfico. Porque dizer que era um paulista comprando uma empresa nordestina? Nesse ponto ele teria razão. Embora fosse um referencial real da história, como me foi contada, era desnecessário. A violência é um estereótipo nordestino, que vem de uma sociedade mais primitiva, do agreste, onde o coronel faz justiça com as próprias mãos, e o cangaceiro também. O que dá um pouco mais de cor à história.


Foto de Cláudio Oiticica, de 1964.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Uxoricídio

Falando em Pimenta Neves, um caso que eu ouvi há vários anos. Um empresário paulista foi comprar uma empresa de um tradicional grupo nordestino. Feitas várias reuniões, diligências, exames e minutas, o grupo vendedor fazia questão absoluta de que o advogado do comprador encontrasse o seu advogado, para acertarem os detalhes finais. Só que a reunião não podia ser feita no estado onde se encontravam, mas num estado vizinho. Criou-se um clima de mistério em torno da tal reunião. Quando a comitiva chegou na capital do estado vizinho, foi ao local da reunião, estranhamente num quartel. O tal advogado estava em prisão especial, aguardando julgamento. E explicou que infelizmente tinha assassinado a mulher, e o processo precisou ser desaforado para garantir a imparcialidade, em função das constantes manifestações de feministas a cada movimentação, na tentativa de pressionar juízes, promotores, júri e a opinião pública. E reclamou, com seu sotaque carregado: “quando matei minha primeira mulher não teve nada disso”.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Vitória

Domingo foi a regata interna do clube, e o meu desempenho me deixou bastante satisfeito. Fui o terceiro no single master, atrás de dois mais jovens e mais experientes do que eu, que eu vou tentar pegar o ano que vem. Larguei bem, mas depois desviei um pouco e perdi algumas remadas batendo nas bóias. Acho que dava pra ter chegado em segundo. E o nosso four, último do paulista em fiasco causado pela afobação, evoluiu surpreendentemente nas duas últimas semanas, e vencemos por um bico de vantagem o barco que foi anunciado como o campeão virtual da prova, com uma guarnição improvisada de remadores de qualidade, além de dois outros barcos de respeito. Com isso, dou por completada a minha formação e vou atrás de resultados mais consistentes para o ano. Nada como um pequena vitória pra manter a motivação.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Táxis

Já há algum tempo tenho notado a institucionalização de um comportamento no trânsito por parte dos motoristas de táxi. Quando precisa mudar de faixa o sujeito, em vez reduzir a velocidade e esperar um espaço vago, ou negociar com o pisca-pisca esperando que o sujeito que vem pela outra faixa voluntariamente ceda a passagem, simplesmente vai empurrando o carro do lado para a outra pista, ou até que ele freie abrindo o espaço. E empurra o carro do lado mesmo, espelhinho com espelhinho, até encostar se o outro não sair, como aconteceu hoje comigo. Instintivamente a tendência do motorista empurrado é afastar o carro, às vezes até propagando o aperto para a outra faixa. É uma atitude nociva e violenta, e a resistência reclama uma violência igual, que a maioria das pessoas não está disposta a exercer, o que favorece a repetição da agressão. O que fazer?

sábado, dezembro 02, 2006

Cordeiro

Outro dia a Leila Couceiro, que mora na Califórnia, estava falando do peru de ação de graças americano. Uns comentaristas comentaram do peru de natal brasileiro, e acendeu-me a lâmpada do óbvio: imitação servil, do prato mais bobo que existe. Peru assado com purê não sei de que, farofa, arroz com passas e champagne e outros insossos. Fora com o peru de natal. Este ano a ceia de natal da família nuclear do meu pai, que deve dar umas vinte pessoas, será na minha casa. Não vai ter peru. O peru, que minha mãe costuma orgulhosamente apresentar, com não sei quantos quilos, não virá este ano. Uns anos atrás, quando a ceia foi na casa do meu irmão que mora em Minas, a sogra dele fez um tremendo e magnífico pernil, acompanhado da lendária farofa de cem ingredientes. Faz sentido lá pra ela. Poderia se argumentar que a origem das tradições não importa, quase todas se iniciam com emulação e mimetismo. Afinal, comemos peru já há algumas gerações. Talvez desde que aqueles alemães de Santa Catarina começaram a criar os grandes glu-glus (Asterix na América), ou perdizes gigantes, perdigões, como queiram. O problema não é a origem da tradição. É a sua falta de sabor.

Puxando pelo gancho religioso, vou tentar implementar uma comida que é cada vez mais comum na paulicéia, que é o cordeiro, feito à moda italiana, tendendo ao ragu, com tomates, ou à francesa, caçulezado com feijões, que eu gosto muito. E as costeletinhas greladas, que não fazem tanto a minha cabeça como o pernil, o famoso gigô. Outro dia comi um excelente na mítica goma do a., como já comera outro ótimo feito pelo Parangolé e vislumbrei a possibilidade de um cozinheiro inepto e preguiçoso como eu desenvolver um prato neste sentido, a paleta na caçarola, que espero seja apenas montar os ingredientes na panela larga e baixa e no forno, ou talvez mesmo no fogo baixo, ficar olhando o milagre. Deve ter uma ordem de cozimento dos ingredientes, o próprio repertório e proporção dos ingredientes, os temperos, e as questões básicas, marina ou não marina, refoga ou não refoga, o que refoga, etc. Vou pesquisar receitas, e aceito sugestões. Imagino que seja um prato muito prático para um domingão tranqüilo.

Voltando ao gancho religioso, o cordeiro de natal rimaria com a metáfora utilizada pelo próprissimo Jesus, o cordeiro de deus, aquele que tira os pecados do mundo, o animal de sacrifício por excelência, o símbolo da docilidade e da aceitação da nossa miséria astral.