segunda-feira, dezembro 25, 2006

L'Incroyable

Ba-ai James Brown


Natal, inúmeras garrafas de vinho, peru, tender, e até um rato atravessou o quintal, subiu pelas folhagens junto ao muro e desapareceu, no melhor estilo quebra-nozes, para terror da criançada. Hoje de manhã fui procurar os gargalos ainda com as rolhas dos espumantes decepados com L’Incroyable. Melhor que soltar rojão. Toc, pou, e o projétil vai fácil a uns sete, oito metros de distância. Todas na primeira, estou ficando craque, faria isso a noite inteira.

Hits literários de natal: “Travessuras da menina má”, do Vargas Llosa, uma eletrizante história de amor, melhor não contar nada, li do dia 22 (as mulheres resolveram fechar o escritório) ao 23, na cama, com três travesseiros, o janelão aberto, o ventilador ligado, depois de muito esporte, todo aquele algodão branco e fresquinho, entremeado com blitzes de última hora no super e no shopping.

No 23, a última volta no four do ano, inéditas quatro raias, a última na maciota com equilíbrio e sincronia também inéditos, pouco barulho na água, o barco andando muito bem, a sensação de evolução. Falta um pouco de força neste barco, temo que eu seja o mais forte, mas criamos uma ligação muito simpática, parece uma banda de rock, sem chefinho. Aliás, nada mais detestável que um cara metido a chefinho. Quem sabe conseguimos alguma coisa o ano que vem, se mantivermos a regularidade. Janeiro já não vai dar pra juntar os quatro nenhuma vez, por causa das férias.

Agora vou ler “A neve” de Orhan Pamuk, turco, Nobel 2006. Se tem uma cidade que tenho curiosidade de conhecer é Constantinopla, portal da Ásia e da Europa, o Bósforo que ouço falar desde as minhas primeiras leituras de Júlio Verne, aos doze, treze anos.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Rádio passat


Acho que o meu futuro de consumidor de produtos de cultura vem de serviços tipo rádio uol, com alguns canais para você ouvir música de qualidade, de graça e sem pirataria. Agora, por exemplo, estou ouvindo o canal Bob Marley. Uma barriga cheia é uma barriga cheia, uma mãe com fome é uma mãe com fome. Às vezes frustra-se a esperança de uma vasta amostragem de um artista, tem só uma palhinha para dar vontade. Bob Dylan já vi que tem bastante. Tenho preguiça de ficar gravando, guardando, colecionando. Tem tanta música boa por aí, é tão fácil ouvir o que o acaso traz, fora o grande estímulo da surpresa. Sempre gostei de rádio por isso. Já descobri muita música legal no rádio. Lembro até hoje de estar descendo a Pamplona no banco do passageiro do Passat verde musgo da minha mãe, que por um tempo eu usaria como meu, não sei se algum jovem lê este blog, mas posso esclarecer que não é o passatão de seis cilindros que se vê por aí, mas o primeiro quatro cilindros com radiador selado, o primeiro Volkswagen refrigerado a água, quatro marchas curtas, uma delícia de carro, o mais moderno carro nacional. Mas estava neste carro quando ouvi pela primeira vez o “Vicious”, do Lou Reed, que eu nem sabia quem era, ou melhor, sabia pelo “Take a walk” talvez, a esta altura dos acontecimentos não lembro mais exatamente a ordem das coisas. E o que me impressionou e me fez ir correndo comprar o disco, uma coletânea. foi o som de guitarra agudo e distorcido que comentava o refrão: “Vicious ... ta-na-ná ...”.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Parangolé

O Parangolé me questionou ter sido racista no meu último post, em que conto a história de um advogado duplamente uxoricida. Sim, ele era nordestino. Mas eu começo o texto “falando em Pimenta Neves”, presumidamente paulista, já que era um importante jornalista do Estadão. Em segundo lugar, nordestino não é raça, e assim, seria uma questão de regionalismo, que pode ser discriminatório como o racismo, mas tem uma conotação mais equilibrada de mão dupla. Tentei mostrar isso nos comentários, dizendo que o único traço distintivo que usei foi mencionar o sotaque carregado do advogado, pois assim parece o sotaque nordestino ao paulista, assim como ao carioca o sotaque paulista soa italianado: “cê tá intendeindo?” Falei ainda que existia uma questão cultural no uxoricídio, de cultura vencida e ultrapassada, a velha e gasta alegação de “legítima defesa da honra”, inconsistente em qualquer sentido. Não cola mais, e é este o sentido do post, a distinção das situações, o assassinato da primeira mulher, onde a impunidade foi completa, e o da segunda, em que o sujeito estava preso, e a comunidade reclamava a sua condenação. O Parangolé argumentaria que a discriminação do post estava na preocupação com o contexto geográfico. Porque dizer que era um paulista comprando uma empresa nordestina? Nesse ponto ele teria razão. Embora fosse um referencial real da história, como me foi contada, era desnecessário. A violência é um estereótipo nordestino, que vem de uma sociedade mais primitiva, do agreste, onde o coronel faz justiça com as próprias mãos, e o cangaceiro também. O que dá um pouco mais de cor à história.


Foto de Cláudio Oiticica, de 1964.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Uxoricídio

Falando em Pimenta Neves, um caso que eu ouvi há vários anos. Um empresário paulista foi comprar uma empresa de um tradicional grupo nordestino. Feitas várias reuniões, diligências, exames e minutas, o grupo vendedor fazia questão absoluta de que o advogado do comprador encontrasse o seu advogado, para acertarem os detalhes finais. Só que a reunião não podia ser feita no estado onde se encontravam, mas num estado vizinho. Criou-se um clima de mistério em torno da tal reunião. Quando a comitiva chegou na capital do estado vizinho, foi ao local da reunião, estranhamente num quartel. O tal advogado estava em prisão especial, aguardando julgamento. E explicou que infelizmente tinha assassinado a mulher, e o processo precisou ser desaforado para garantir a imparcialidade, em função das constantes manifestações de feministas a cada movimentação, na tentativa de pressionar juízes, promotores, júri e a opinião pública. E reclamou, com seu sotaque carregado: “quando matei minha primeira mulher não teve nada disso”.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Vitória

Domingo foi a regata interna do clube, e o meu desempenho me deixou bastante satisfeito. Fui o terceiro no single master, atrás de dois mais jovens e mais experientes do que eu, que eu vou tentar pegar o ano que vem. Larguei bem, mas depois desviei um pouco e perdi algumas remadas batendo nas bóias. Acho que dava pra ter chegado em segundo. E o nosso four, último do paulista em fiasco causado pela afobação, evoluiu surpreendentemente nas duas últimas semanas, e vencemos por um bico de vantagem o barco que foi anunciado como o campeão virtual da prova, com uma guarnição improvisada de remadores de qualidade, além de dois outros barcos de respeito. Com isso, dou por completada a minha formação e vou atrás de resultados mais consistentes para o ano. Nada como um pequena vitória pra manter a motivação.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Táxis

Já há algum tempo tenho notado a institucionalização de um comportamento no trânsito por parte dos motoristas de táxi. Quando precisa mudar de faixa o sujeito, em vez reduzir a velocidade e esperar um espaço vago, ou negociar com o pisca-pisca esperando que o sujeito que vem pela outra faixa voluntariamente ceda a passagem, simplesmente vai empurrando o carro do lado para a outra pista, ou até que ele freie abrindo o espaço. E empurra o carro do lado mesmo, espelhinho com espelhinho, até encostar se o outro não sair, como aconteceu hoje comigo. Instintivamente a tendência do motorista empurrado é afastar o carro, às vezes até propagando o aperto para a outra faixa. É uma atitude nociva e violenta, e a resistência reclama uma violência igual, que a maioria das pessoas não está disposta a exercer, o que favorece a repetição da agressão. O que fazer?

sábado, dezembro 02, 2006

Cordeiro

Outro dia a Leila Couceiro, que mora na Califórnia, estava falando do peru de ação de graças americano. Uns comentaristas comentaram do peru de natal brasileiro, e acendeu-me a lâmpada do óbvio: imitação servil, do prato mais bobo que existe. Peru assado com purê não sei de que, farofa, arroz com passas e champagne e outros insossos. Fora com o peru de natal. Este ano a ceia de natal da família nuclear do meu pai, que deve dar umas vinte pessoas, será na minha casa. Não vai ter peru. O peru, que minha mãe costuma orgulhosamente apresentar, com não sei quantos quilos, não virá este ano. Uns anos atrás, quando a ceia foi na casa do meu irmão que mora em Minas, a sogra dele fez um tremendo e magnífico pernil, acompanhado da lendária farofa de cem ingredientes. Faz sentido lá pra ela. Poderia se argumentar que a origem das tradições não importa, quase todas se iniciam com emulação e mimetismo. Afinal, comemos peru já há algumas gerações. Talvez desde que aqueles alemães de Santa Catarina começaram a criar os grandes glu-glus (Asterix na América), ou perdizes gigantes, perdigões, como queiram. O problema não é a origem da tradição. É a sua falta de sabor.

Puxando pelo gancho religioso, vou tentar implementar uma comida que é cada vez mais comum na paulicéia, que é o cordeiro, feito à moda italiana, tendendo ao ragu, com tomates, ou à francesa, caçulezado com feijões, que eu gosto muito. E as costeletinhas greladas, que não fazem tanto a minha cabeça como o pernil, o famoso gigô. Outro dia comi um excelente na mítica goma do a., como já comera outro ótimo feito pelo Parangolé e vislumbrei a possibilidade de um cozinheiro inepto e preguiçoso como eu desenvolver um prato neste sentido, a paleta na caçarola, que espero seja apenas montar os ingredientes na panela larga e baixa e no forno, ou talvez mesmo no fogo baixo, ficar olhando o milagre. Deve ter uma ordem de cozimento dos ingredientes, o próprio repertório e proporção dos ingredientes, os temperos, e as questões básicas, marina ou não marina, refoga ou não refoga, o que refoga, etc. Vou pesquisar receitas, e aceito sugestões. Imagino que seja um prato muito prático para um domingão tranqüilo.

Voltando ao gancho religioso, o cordeiro de natal rimaria com a metáfora utilizada pelo próprissimo Jesus, o cordeiro de deus, aquele que tira os pecados do mundo, o animal de sacrifício por excelência, o símbolo da docilidade e da aceitação da nossa miséria astral.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Vamos ao teatro

Outro dia fui ao teatro por acidente, acompanhando alguns amigos. Não pretendia entrar, queria só ficar tomando cerveja no bar da entrada. Era um monólogo de um importante autor estrangeiro, e eu e metade do grupo não tínhamos a menor intenção de nos concentrar em tanta seriedade naquela hora. Depois de uma ou duas cervejas, o amigo que puxou o programa, já com os ingressos comprados, insistiu para que fôssemos todos, que seria rápido, indolor e até divertido. Considerando a sem-gracice de ficar esperando naquele bar bobo tomando cerveja até a hora de jantar, acabamos de última hora entrando na peça. Depois de uns bons cinco minutos no escuro completo em silêncio, começou o monólogo, muito bem interpretado, o texto excelente, uma terrível história de amor, um suplício interminável pra quem queria comer e beber. Qual não foi nossa surpresa ao constatar, no fim da peça, que o mentor e inventor do “vamos ao teatro”, no último momento ficou de fora, tomando cerveja com outros amigos que não assistiram o monólogo.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Dim dim donde

Outro dia falei de uma casa no meu quarteirão que havia sido vendida, e vendo a placa do arquiteto, achei que ia ser reformada. Que nada. Está sendo completamente demolida. Talvez seja o certo mesmo, o valor da velha construção em relação ao terreno é tão pequeno que não compensa mantê-la em pé. Mas que dá um sentimento “Saudosa Maloca” dá.

terça-feira, novembro 28, 2006

Parar

O tempo tudo resolve, transforma tragédias e perdas em doces memórias. Como parar de fumar. O primeiro dia é insuportável, o segundo dia é insuportável, o terceiro dia é insuportável, quando completa um mês se vê que foi possível agüentar. Daí vem a fase da agressividade, o inconformismo, a projeção nos outros da fonte da dor. Depois de seis meses passou, vida normal. Pelo menos com o cigarro foi assim.

segunda-feira, novembro 27, 2006

No donut for you

Sábado na regata chegamos 22 segundos na frente do primeiro colocado, o que dá uns cem metros de distância. Fomos os terceiros no tempo real, e melhoramos uma posição no geral dos barcos, pois tínhamos sido terceiros na nossa eliminatória. Como houve duas eliminatórias que classificaram apenas dois barcos, e fomos os segundos da repescagem, significa que estávamos com o quarto tempo real, pois na repescagem chegamos na frente do que fora segundo na nossa eliminatória. Mas caímos para quinto no tempo corrigido. No tempo real, primeiro foi um barco categoria “b” (são faixas de idade), o segundo foi um valoroso barco “d”, e em terceiro o nosso, “c”. Um “e” e um “f” passaram na nossa frente no tempo corrigido, e chegamos na frente só do outro “c”. Estou evoluindo, e acho que o handicap favorece as classes mais idosas, o que dá uma boa perspectiva de futuro.

Chegando em casa rolou o almoço de aniversário de dezessete anos da minha filha mais velha, e fiquei impressionado com o baixo consumo de bebida alcoólica. Quase nada. O que saiu mais foram aqueles sucos de caixinha, chamados néctares de frutas, dos mais variados sabores e muito, muito doces, com bastante vantagem sobre os refrigerantes.

E domingo assisti, segundo a recomendação da Anna, o documentário do sumido Herzog chamado “O homem urso”, sobre um sujeito um tanto desajustado que elege como missão na vida proteger os enormes e ferozes ursos pardos do Alasca. A utilidade da sua missão é duvidosa e pouco realista, pois a população de ursos de 35 mil indivíduos é estável e protegida. Depois de treze verões acampando sozinho entre os ursos, registrando belíssimas imagens em vídeo, ele e a namorada são mortos e devorados por um velho urso faminto. São os elementos de uma reflexão interessantíssima do cineasta alemão.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Pequenas memórias

Sábado passado depois de remar fui à FNAC com as minhas filhas, a mais velha comprou a Rolling Stone 2, a mais moça queria comprar a primeira temporada do OC, e eu comprei, com vinte por cento de desconto, as pequenas memórias do Saramago. É um livro pequeno, e eu li de uma tacada só, entre sonecas e muitos líquidos, seguindo as instruções do técnico para a regata do dia seguinte. Visivelmente a raiz é um trecho do discurso proferido pelo Saramago ao receber o Nobel em 1998, que está senão reproduzido, pelo menos reescrito no livro. Até a incrível frase da avó, “o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”, assim como a história de levar os bacorinhos para a cama, as noites ao relento e muito mais. Não conto pra não perder a graça. Não é um livro fácil, porque a reconstrução das memórias da infância e da adolescência segue a ordem do seu próprio fluxo, nada cronológica, e as imprecisões não são atenuadas ou arredondadas, mas confessadas e ampliadas, como as fraquezas do autor. Alguns episódios até se repetem.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Falso

Outro dia um amigo me contou o seguinte caso. Ele estava em uma cidade oriental, talvez na Tailândia, numa rua cheia de lojas vendendo todo o tipo de falsificações, de boa qualidade, produtos de marcas famosas. Em meio a tais lojas ele encontrou uma galeria de arte chamada de “o rei do fake” ou algo assim. Lá havia centenas de cópias de quadros de autores famosos, e uma grande equipe trabalhando em reproduções a partir de livros e fotografias. Viu um “Botero” pelo qual se interessou, um sonho de consumo seu. Poderia comprar ali, por quinhentos dólares, um quadro cujo original valeria em torno de mil vezes este valor. A primeira objeção que fez ao impulso, foi o fato de que teria que explicar aos amigos, que o grande Botero era falso, uma brincadeira. Depois raciocinou que um quadro falso na parede implicaria uma dúvida sobre toda a sua coleção, que tem uma finalidade de investimento. Uma coisa leva a outra, começou a questionar arte como investimento, pois afinal, o que não poderia ser falsificado? Certificados de autenticidade e procedência podem ser sempre falsificados, e, por exemplo, mesmo uma foto da obra ao lado do autor, pode sustentar a multiplicação criminosa de cópias. Daqui a duas ou três gerações, quem poderá atestar a origem posta em dúvida de uma obra, com artistas, galeristas e especialistas mortos?

terça-feira, novembro 21, 2006

Classificado

Domingo teve a eliminatória do barco de um, e do barco duplo, provas que tinham muitos inscritos. Eu ia correr a prova de single. Na última hora o treinador todo-poderoso perguntou se eu remaria também um double. Concordei, e no domingo de manhã ele me disse que tinha abortado minha participação no single. Não sei se achei bom ou ruim, é a vantagem de ter alguém que decida por você. Acabei correndo no double com um cara novo no clube, vindo há alguns meses de outro estado, super bom, que rema há décadas sem parar, com a estatura um pouco baixa, o que significa uma remada muito rápida. Ele estava meio desapontado de remar com um iniciante, e de não remar na prova de single, sem saber porque não tinha sido inscrito. O seu parceiro deveria ser um ótimo remador do clube, que se recusou a entrar dizendo que não participa de prova em “barco de rampa”, improvisado, o que faz muito sentido. Dei uma volta com o cara, tentamos algumas largadas, o que ainda não aprendi a fazer direito, e ele ficou bastante preocupado. Nossa primeira bateria foi um desastre, mas só o primeiro estaria automaticamente classificado. Todos os outros iriam para a repescagem. Perdemos muito tempo na largada, e eu, querendo acompanhar o sujeito sem fazer feio, fiz uma força enorme no ritmo acelerado dele. Lá pelos três quartos da raia o gás acabou e eu travei. Batemos remos, mas conseguimos retomar, e chegamos em terceiro. Ele reclamou que eu estava fazendo força demais, dando trancos e segurando o barco. Antes da segunda regata, entramos cedo na água, treinamos mais algumas largadas, algumas saíram boas. A largada na prova foi medíocre, mas ele baixou o ritmo, eu diminuí a força, e o barco andou bem melhor. Baixamos o tempo em nove segundos, e ficamos em segundo lugar, na frente do segundo da nossa eliminatória. Temos alguma chance de brigar pelo terceiro no próximo sábado.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Auto-flagelação

Estou com as mãos em péssimo estado porque estou treinando todo dia com o four e o single, para uma regata que vai haver na semana que vem. Ao remar o mais rápido possível, com remos diferentes, novas áreas de atrito são acionadas. Onde até a semana passada haviam civilizados calos, surgiram bolhas, que rasgaram e tenho seis buracos abertos nas mãos, ardidos e doloridos. Quem vê pensa que eu pus as mãos na grelha de uma churrasqueira. E provavelmente, não tenho chance nenhuma.

terça-feira, novembro 14, 2006

Sexo selvagem

Falando em sexo, estive pensando sobre “O Selvagem da Ópera”, do Rubem Fonseca, que li uns dias atrás. Não gosto nem do Rubem Fonseca, nem de ópera, e muito menos do Carlos Gomes. Assisti uma vez uma luxuosa montagem do Guarani no teatro Alfa, com legendas e tudo, e o tenor gordinho com um tórax de plástico com barriga de tanquinho cantando em italiano foi das coisas mais deprimentes que já vi na vida, vários furos abaixo dos índios de faroeste italiano. Segundo o livro, Carlos Gomes é um fruto do seu tempo. Protegido do imperador Pedro II, pegou o fim do império e ficou órfão; sua arte também estava moribunda, mais moço que ele, de renome, que eu saiba (e não sei nada deste assunto), só o Puccini; e a ópera padecia de ser uma forma de arte popular e decadente, que fazia todas as concessões possíveis ao público, aos mecenas (como se chamavam os patrocinadores de então) e empresários. Os libretos eram todos horríveis, previsíveis, o herói e a heroína com um amor impossível que acabava em morte, num contexto histórico sempre totalmente deformado e ridículo. Mas porque sexo? Pegando o mote do Saramago, e da força indiscutível que o impulso erótico exerce sobre humanos e outros animais, estive pensando na questão da miscigenação e preconceito. Carlos Gomes era muito moreno, e com certa fantasia ou marketing, se dizia descendente de índios. Era a época do romantismo indigenista ou indianista, e o país tentava construir sua identidade manipulando a cultura nativa, o que pegava bem com os europeus. Segundo o Rubem Fonseca era boa pinta e mulherengo, e teve inúmeras mulheres, principalmente cantoras e condessas aficcionadas da ópera. As européias, ainda que tivessem preconceito contra a pele escura do artista, sucumbiam ao seu charme e físico. É o que sempre aconteceu, o preconceito é vencido pelo impulso irresistível, e a miscigenação acontece. Não adianta discutir com o sexo, como diz o Saramago. A tese do Rubem Fonseca é que o pobre Carlos foi tragado por este gênero artístico menor e decadente, e sua necessidade de sucesso e atenção, por um suposto complexo de inferioridade de sua rude origem cabocla, o fez compactuar com as concessões que o gênero exigia, e viver em altos e baixos ao sabor dos aplausos e apupos ditados por circunstâncias que quase nada tinham a ver com arte. Um homem do seu tempo, que como Freud, morreu de câncer na boca, possivelmente causado pelo vício do charuto.
Tem um post novo do Fitzwilliam muito engraçado sobre Citibank e Odair José.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Sábado no Estadão

Que importância tem e o que significa o sexo para Saramago?

O sexo é. Especular sobre a importância e o significado dele não levará a outra conclusão: o sexo é, e não só é, como tem as suas razões. Não discutamos com o sexo, ele acabará sempre por ganhar a partida. Às vezes, para justificar as nossas tentações, dizemos que a carne é fraca. E não se repara que se a carne cede é porque o espírito já havia cedido antes...

segunda-feira, novembro 06, 2006

Horário de verão

Bem que eu tentei dormir o máximo possível ontem, porque eu sabia que iria remar às quatro da manhã, horário de padeiro. A lua cheia se pondo exatamente na direção da raia, causando todos aqueles reflexos, e depois na direção oposta o sol nascendo, compensaram um pouco o absurdo de acordar àquela hora. É uma verdadeira violência.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Estresse


A propósito da recente discussão sobre os controladores de vôo e suas vicissitudes, vale a pena ver ou rever o excelente "Pushing tin" (não lembro o título em português), de 1999, com personagens tirados da atividade mais estressante que existe. De brinde a Angelina Jolie de calça de couro.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Incrível

Tudo está aparentemente bem nesta manhã ensolarada de segunda-feira, conforme posso ver aqui desta gávea refrigerada de onde vejo só os prédios em frente e a avenida embaixo. Lula eleito, nada muda. Muito trabalho pra fazer, muitas contas pra pagar, o dia que começou cedo já vai longe, depois das muitas alegrias do fim-de-semana. Aquela ausência de sempre teima em se fazer presente. As figuras desagradáveis também. Ainda não comecei a “ver coisas”. Outro dia vi uma notícia no jornal de um recente estudo feito sobre um neurotransmissor, a dopamina, que sempre foi considerada pouco influente no sono, já que sua quantidade não se alterava com o estado de vigília, ao contrário de outros. Experimentando com camundongos transgênicos (sério) os cientistas concluíram que a falta de dopamina pode ser relacionada ao mal de Parkinson, que induz um estado de sono sem sonhos, e o excesso com a esquizofrenia, porque causaria um estado de sonhar acordado, ou seja, a misteriosa matéria do inconsciente, tradicionalmente manifesta nos sonhos, invadiria a realidade do superdopaminado, que passaria a “ver coisas” acordado. Segundo os cientistas, Freud estaria certo, por isso, ao relacionar a loucura aos sonhos. E a imaginação ativa junguiana?

quarta-feira, outubro 25, 2006

Seinfeldiana

É engraçado como quando você vai digitar a sua senha nas leitoras de cartão, ao pagar uma compra, a pessoa que “passa o cartão” ostensivamente olha para outro lado, para deixar bem claro que não tem a intenção de ver o que você está digitando. Mais engraçado ainda é este gesto estranho se incorporar à rotina profissional de uma pessoa, que passa a repeti-lo centenas de vezes por dia.

terça-feira, outubro 24, 2006

Continue remando

Ontem remei com um garotão de vinte e quatro anos, um pouco mais verde no remo do que eu. Remamos dezesseis quilômetros num bom ritmo, uma hora e vinte, um treino pesado, considerando que fui e voltei da raia correndo, o que dá uns seis quilômetros, mais uns quarenta minutos. Hoje remei oito quilômetros com um garotão inteiraço de setenta e oito anos, com a remada forte e a voga baixa, que estava feliz da vida de andar em velocidade mais alta do que a que tem andado ultimamente. Deixamos alguns barcos para trás. Me deu várias dicas técnicas importantes, reproduzindo as frases do seu treinador de sessenta anos atrás, ouvidas em pleno rio Tietê. Amanhã parece que o four encantado, que já teve várias formações fantasmas nos últimos tempos, assumindo até algumas vezes a forma de um quatro sem (aquela história de remos duplos ou simples, o four com duplos, o quatro sem com um por remador), volta a treinar para uma regata que haverá no fim de novembro. Perdi duas oportunidades de regatas. Uma em São Paulo, porque o treinador não queria interferir na disputa entre dois outros clubes, uma questão ética não muito complicada com uma solução evidentemente errada, e outra no Rio, porque não conseguimos treinar o suficiente. Mas não estou nem aí. O legal é treinar.

sábado, outubro 21, 2006

Onan

De ontem pra hoje topei com três cenas de masturbação. A primeira me foi contada por uma professora, de um aluno de sete anos que se esfolava compulsivamente em plena sala de aula por baixo da carteira como se fosse imperceptível, mesmo que às tantas se utilizasse das duas mãos e se chacoalhasse freneticamente. Outra cena ontem, muitíssimo parecida, no filme “A lula e a baleia” – um filme sobre separação muito bom, com ênfase nos filhos – em que um pré-adolescente na biblioteca da escola vê uma menina bonita, saca uma foto de mulher pelada rasgada do bolso, faz o serviço atrás de uma estante e espalha o sêmem pelos livros. Em outra cena beija o armário da coleguinha e depois pincela a porta com suas secreções. E hoje, depois do almoço, assistindo ao chique “LavourArcaica” – me pareceu um pouco pomposo – que começa com uma longa cena do Selton Mello celebrando Onan ao som de um trem que vem vindo de longe, e passa na hora agá. Lembro que a pensão onde André está era realmente perto dos trilhos, mas não lembro da prática do ato solitário. Será que foi insinuada e eu, na minha inocência, não percebi? Não tenho mais o livro pra conferir.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Asno

Lembrando o famoso asno de Buridan, aquele que entre dois montes de feno igualmente apetitosos trava, imagem utilizada para solucionar dilemas morais, determinada a escolha do maior bem ou menor mal, dificuldade semelhante é vencer a inércia, princípio intuído pelo mesmo filósofo bem antes de Newton, que o formulou como a sua primeira lei. Assim como é difícil despir-se para entrar no banho no inverno, é difícil sair do chuveiro. É necessária a aplicação de uma força de caráter, por menor que seja, para vencer a inércia da preguiça, a tendência a ficar como está. Tenho sempre esse dilema moral antes de começar um trabalho: começar ou não começar? Quase sempre, antes de começar um trabalho, daqueles duros, longos e trabalhosos, adio com outras tarefas mais fáceis e rápidas, que existem em quantidade infinita a serem feitas, até o limite máximo da segurança de que pode ser feito no prazo. Esse limite máximo também é mais ou menos móvel, dependendo do estado de espírito. Depois que começo, como quando entro no chuveiro, é agradável, e faz passar o tempo com velocidade. Também é difícil parar. Rever, revisar, melhorar. Não sei se todo mundo é assim, preguiçoso como eu, sempre a lutar contra a inércia, mas aposto que o Buridan era.

terça-feira, outubro 17, 2006

O selvagem da ópera

Estou lendo, já bem adiantado, “O Selvagem da Ópera”, do Rubem Fonseca. É mais uma leitura acidental, de pegar qualquer coisa na estante pra ler antes de dormir. Carrego há muito tempo uma implicância com esse incensado autor, se não gratuita pelo menos exagerada. Li nos anos 80 alguns contos, sem dúvida impressionantes, dos quais não lembro nada, só que me pareceram impressionantes demais. Depois li “A grande arte” e o “Bufo Spalanzani”, e nos dois impliquei com o protagonista masculino, que identifiquei com o autor, e mesmo com os enredos, um pouco afetados, metidos a besta, apesar de reconhecer o grande talento do escritor. “O Selvagem da Ópera”, sobre o Carlos Gomes, tem uma originalidade que muito me surpreendeu e atraiu. É um romance histórico, que é narrado como se fosse um texto básico para roteiristas, ou seja, a história é contada como se o autor estivesse explicando tudo o que os roteiristas precisam saber para fazer um roteiro cinematográfico, considerado a inclusão desta ou daquela cena, prevendo trechos que provavelmente serão cortados, alternando possibilidades biográficas, e louvando as qualidades da história como vocação para o cinema, como o sucesso de Carlos com as mulheres, o que possibilita as tão desejadas cenas de sexo. Como venho de uma leitura de um romance e o roteiro dele tirado, achei uma feliz coincidência. Rubem Fonseca tem uma longa e profícua convivência com o cinema e a tv, e sabe do que está falando. Curiosamente, que eu saiba, “O Selvagem da Ópera”, de 1994, ainda não virou filme.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Aí vai meu coração

Nesse feriado chuvoso, fiquei horas e horas numa rede, lendo o fascinante “Aí vai meu coração”, cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins ao jornalista e escritor Luís Martins. O bordão do título é de Tarsila. A história é surpreendente. Tarsila era dezoito anos mais velha que Luís, com quem manteve uma união por dezoito anos, até que Luís se apaixona por uma sobrinha de Tarsila, por sua vez dezoito anos mais jovem do que ele. A autora do livro é Ana Luísa Martins, filha de Anna Maria e Luís, a partir de cartas que achou em casa. As cartas de Luís às mulheres parece que não foram encontradas, e ele muitas vezes comunicou-se com elas, principalmente com Anna Maria, através de crônicas que publicava nos jornais, em uma linguagem mais ou menos cifrada, também transcritas no livro. Foi acusado de aproveitador pela família de Anna Maria – parentes de Tarsila – que eram contra a união, e até uma boa parte do livro também achei isso. Depois mudei de idéia, tamanho o respeito e a amizade que Tarsila dedica a ele, mesmo após a separação. A história, dessas em que a realidade supera a ficção, já foi comentada pelo Jayme, no “Dito Assim”, já faz tempo.

terça-feira, outubro 10, 2006

Jules e Jim, o filme

Vi finalmente o Jules e Jim, e foi emocionante, depois de tanta preparação, que neutralizou um pouco o meu senso crítico. O modo como os personagens ganharam vida superou totalmente as minhas expectativas. É uma produção barata, de locações simples entremeadas com imagens jornalísticas de arquivo, pra mostrar as viagens de trem, as cidades antigas e a guerra. Os quarenta e quatro anos do filme, referindo-se há quase cem anos atrás, dão a sensação de viagem no tempo, para um outro mundo, onde o presente foi arquitetado e o projeto esquecido. A amizade, o amor e a cultura são os valores em torno dos quais aquelas vidas desprendidas gravitam, e não consigo achar que é um filme ingênuo. É assustador pensar que realmente possa ser autobiográfico, como dizem. A luta pessoal em contraposição à luta coletiva, e a busca dos próprios caminhos sociais, afetivos, e profissionais numa sociedade opressiva. Muito atual.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Reforma

Vi a placa de um escritório de arquitetura no quarteirão detrás da minha casa. Aquela casa era do pai de uma amiga da minha filha mais moça, que a recebeu de herança de uma tia há pouco tempo atrás. Contou isso um dia que foi buscar a filha, e perguntou quanto eu achava que valia. Disse não ter a menor idéia, pois depois de comprar o meu terreno, há quase dez anos, nunca mais me preocupei com essa questão, o que a minha mulher considerou um pouco antipático.

Sempre reparei naquela casa, há tempos meio abandonada, e o seu bom potencial, apesar de dar frente para a uma rua meio avenida, bastante movimentada, graças ao seu grande recuo na frente e à sua entrada pelos fundos por uma agradável rua tranqüila. A primeira idéia de uma reforma lá é a óbvia inversão da frente. A face leste é a da avenida, o que é um desafio. Mas a parte de cima da casa mais exposta ao barulho hoje já está mesmo fechada. Os quartos são abertos para o norte, como na minha casa, o que funciona muito bem.

Em termos ideais deveria se aproveitar a grande tolerância que a autoridade municipal tem hoje em dia com os muros altos, e o caimento do terreno em direção à rua tranqüila, para produzir uma espécie de campana anti-ruído, defendendo a fronteira leste e norte do terreno, e abaixando tanto quanto possível o andar superior, empurrando-o em direção oposta à avenida. O projeto da minha casa tem esta intenção, apesar da rua ser calma na frente e nos fundos, os quartos recuados em relação à grande parede fechada da frente, protegendo do ruído branco de uma outra avenida já um tanto distante, agora muito minimizado pela construção de uns predinhos.

A defesa contra o ruído é sempre difícil, porque ele reflete em tudo e contorna os obstáculos, mas o problema pode ser bem diminuído. Tem muita gente morando nas valorizadíssimas e não tão sossegadas ruas do Jardim América e Europa, e a solução que se dá é a utilização de clima artificial e janelas anti-ruído, o que pra mim é banal e esquisito.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Ainda Jules e Jim


Bom, acabei de ler o romance e o roteiro do Jules e Jim. O roteiro é surpreendentemente fiel ao livro, apenas uma edição com os recursos mais óbvios: a concentração de alguns personagens e fatos, a transformação de alguns pensamentos em diálogos, e algumas inversões de ordem. A intenção de ser fiel ao texto é tanta que a narração em off, um artifício pouco cinematográfico no sentido de ser uma arte essencialmente visual, é utilizada com bastante intensidade. As escolhas necessárias para contar a história da melhor maneira possível, são as decisões do autor. Ao contrário do que me pareceu antes, quando comecei a ler o livro e a narrativa era um cipoal de acontecimentos e pessoas, a vida agitada dos dois jovens em Paris antes de conhecerem Kathe, depois a história encontra o seu eixo no famoso triângulo, e fica muito bem definida. A alemã Kathe vira Catherine, possivelmente por causa da atriz, francesa. Agora, vou ver o filme sabendo exatamente tudo o que vai acontecer.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Textículos


Continua em cartaz no NEXT os Textículos de Antônio Rocco. São seis ou sete peças ou como quer que se chame os pequenos e redondos textos, de situações de alta intensidade, mostrando a vida como ela é, em uma montagem de qualidade. Tudo isso servido rapidamente nos dois pequenos palcos do Cabaré Next, com muita agilidade e sem intervalo. Um programa diferente, barato e divertido, fácil de chegar e estacionar, uma ótima alternativa para a muvuca do fim-de-semana.

terça-feira, outubro 03, 2006

Como disse o Groucho

jamais entraria para um clube que me aceitasse como sócio.

Jules et Magda firent un séjour dans le Midi. Ils envoyrènt à Jim des photos émouvantes qui les montraient comme lunaires et très unis. Jim eut un espoir pour Jules.
Peu de temps après leur retour, Jules dit à Jim :
- J’aime Magda. Mais c’est une habitude. Ce n’est pas le grand amour. Elle est à la fois ma jeune mère et ma fille attentive.
- C’est beau ! dit Jim.
- Ce n’est pas l’amour dont je rêve.
- Sûrement. J l’ai pour Lucie.
Jim se retint de dire : « Parce que vous ne la possédez pas. »
- Et d’ailleurs, poursuivit Jules, je ne pardonnerai jamais à une femme de m’aimer, tel que je ne connais. Cela indique une perversion, un compromis... dont Lucie est exempte. Elle n’accepte pas une parcelle de moi.
- Chaque homme pourrait penser cela, dit Jim.
- Oui... pourrait... dit Jules. Mais mot je le fais.
- Eh bien, dit Jim, c’est héroïque, et respectable. C’est un peu d’un martyr. C’est la clef de votre vie. Si Lucie vous aimait...
- Ele ne serai plus Lucie, dit Jules.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Jules e Jim

Ainda na falando de autoria, romances e filmes, comprei na locadora de vídeo o “Jules e Jim”, uma edição recente que traz o romance original de Henry-Pierre Roche, um autor bissexto, o roteiro – na verdade “decupado”, ou seja, reconstituído a partir do filme acho eu – e ainda algumas resenhas. O romance é um jorro de acontecimentos mais ou menos desconexos, que parece um diário, ou um blog, abrangendo um longo período de tempo, tendo como figuras centrais os dois amigos, Jules, alemão, e Jim, francês, e muitos outros personagens que vêm e vão. Não há propriamente uma história, mas interessantíssimas observações sobre as relações entre os amigos e suas mulheres, baseadas em episódios mais ou menos independentes. Há uma tênue espinha dorsal, mas não sei ainda se se sustenta e se resolve. É daqueles que parece infilmável. Estou curisoso pra ver como o processo acontece. Vou ver o filme por último.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Ainda sobre autoria

Um trecho ótimo do Jorge Furtado:

Aliás, quase todas as inovações nas estruturas da narrativa surgem na linguagem popular, o mesmo berço da língua. Os escritores só tem o trabalho de botar no papel, citando a fonte ou não. Guimarães Rosa aprendeu quase tudo com os sertanejos. Simões Lopes Neto, segundo o Aurélio, recebia "gente simples para longas conversas". Shakespeare, que eu saiba, nunca inventou uma história. E olha o que o Mário de Andrade escreveu quando foi acusado de "se inspirar" num livro do naturalista Koch-Grünberg para escrever Macunaíma: "Copiei sim. O que me espanta, e acho sublime de bondade, é dos maldizentes se esquecerem de tudo quanto sabem, restringindo a minha cópia a Koch-Grünberg, quando copiei todos. Confesso que copiei, copiei as vezes textualmente. Quer saber mesmo? Não só copiei os etnógrafos e os textos ameríndicos, mas ainda, na Carta pras Icamiabas, pus frases inteiras de Rui Barbosa, de Mário Barreto, dos cronistas portugueses coloniais..." O genial de Mário (assim como de Rosa, Shakespeare e Lopes Neto) não está na "originalidade", adjetivo muito usado por quem desconhece o passado, mas sim no talento com que mescla conhecimento e "convicções audazes". Quem antes dele poderia terminar um romance com a frase "Tem mais não"?

terça-feira, setembro 26, 2006

Autores

O romance não morreu, mas que perdeu um enormíssimo terreno na circulação de histórias de entretenimento para o cinema, e a televisão, perdeu. Sei lá, chutaria uns 95 %. Antes do cinema não tinha jeito. Para apreciar uma história, tinha que ler ou ir ao teatro. O cinema demorou a substituir a leitura, por estar vendendo mais o deslumbramento das imagens animadas do que a história em si, suponho eu. O teatro também arrisco afirmar nunca teve o volume necessário para competir com os livros e folhetins, pela limitação física da montagem, quantos conseguem assistir. Mas o cinema atual tem um monumental poder de fogo, e consegue contar uma mesma história a centenas de milhões de pessoas em poucos dias. E depois vem outro, e outro, e outro, e o volume de produção é enorme, ficando difícil acompanhar todos os lançamentos interessantes. Engraçado é como mudou o foco da autoria. No cinema, a figura do autor está muito mais centrada no diretor, que é quem conta a história, do que no roteirista, que é quem prepara a história para ser contada, que não é necessariamente o criador da história. Esta constatação me fez pensar que no romance não é diferente. Só que no romance, no mais das vezes, o criador da história se confunde com quem conta. Mas não necessariamente, e nem mesmo tão freqüentemente como pode parecer. Muitos romances são criados a partir de histórias reais, disfarçadas ou não, como nos romances históricos, sobre lendas antigas vindas da tradição oral, ou a partir da colagem de vários elementos, incluindo histórias de outros autores. Não importa. A autoria não é do criador da história, ou da idéia ou do argumento. A autoria é de quem conta a história, a forma com que se conta a história. No caso da literatura, a exata ordem das palavras. No cinema, é daquele que determina como vão ser captadas e ordenadas as imagens e sons, ou seja, o autor das imagens e sons. O mais incrível é que qualquer história pode ser contada nas duas horas de um filme.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Fluxo da consciência

Fui visitar meu pai em sua casa de campo este fim de semana e li o “Lavoura Arcaica”, um exemplar presenteado a ele pela minha irmã, condições propícias para sanar mais uma lacuna da minha infinita ignorância. Um traço curioso do livro é por o complexo discurso em primeira pessoa do narrador na boca de um adolescente. Está na cara que é a recuperação reflexiva do adulto, um outro narrador oculto sob a figura do autor, do processo natural de rompimento com a família, o amor da mãe e a autoridade do pai, necessário à conquista da autonomia. Um lar tão bem construído sobre bons princípios e amor abundante, que o conflito necessário exige a violência do maior tabu, o incesto. Uma jóia de projeto, construção e acabamento, que não deixa de ter seus momentos de humor, como a descrição de uma cabra como objeto erótico.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Equinócio

A primavera está voltando, chega na cidade de São Paulo no dia 23, à uma e quatro da manhã. Gostei de ver que correspondendo à expectativa tradicional voltou a chover nos últimos dias, dando a impressão que os grandes ciclos climáticos estão razoavelmente nos eixos, apesar do decantado aquecimento do planeta. E com ela virão as flores e os amores, pra quem está atrás disso. Pra quem não está, outros caminhos devem se abrir, lavados pela chuva, ao som do trovão, São Pedro fazendo a faxina no céu.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Redução

Uma das táticas fisiológicas usadas pelo corpo na luta pela sobrevivência é a redução do metabolismo em situações especiais. No frio diminui-se o próprio tamanho do corpo pela eliminação de líquidos – daí a vontade de urinar – para obter-se a redução da circulação de sangue pelos vasos sangüíneos periféricos, e assim perder menos calor, tentando manter quentes os centros essenciais, cabeça e tronco. Exatamente como as empresas em momentos de crise, que reduzem as atividades e proporcionalmente os custos, diminuindo despesas e mandando embora empregados. Talvez a estratégia valha também para a economia emocional. Pretende-se que a redução seja temporária, necessária até ser superada a escassez, sempre buscando-se a saída para a abundância.

terça-feira, setembro 19, 2006

Duas polegadas a mais

Minhas filhas adolescentes dividiam um computador, até que percebemos não ser mais possível o uso compartilhado de algo tão íntimo e pessoal, a mais profunda extensão da personalidade que posso conceber, prenhe da produção, a rede social, e os segredos e preferências de cada um. Acredito que a próxima evolução da proteção aos direitos da personalidade terá que dar inviolabilidade a tais máquinas, não sendo mais possível distinguir quanto de nós está dentro ou fora delas. Compramos um novo para uma que aniversariou, que foi por isso promovida de um monitor de 15 para 17 polegadas, e o seu mundo visível tomou outra dimensão. Dos cabalísticos 1024 x 768 para os não menos cabalísticos 1280 x 800, o retângulo para o qual ela passa horas e horas do dia e da noite olhando, seu espelho, seu horizonte, enfim, foi ampliado. Muda alguma coisa?

Não contem pras crianças

Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 (entra em vigor 45 dias após a publicação, ou seja, no dia 6 de outubro).
CAPÍTULO III
DOS CRIMES E DAS PENAS
Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Art. 29. Na imposição da medida educativa a que se refere o inciso II do § 6o do art. 28, o juiz, atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo.
Parágrafo único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6o do art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.

segunda-feira, setembro 18, 2006

O coronel

Gostei de uma frase que o assassinado Coronel Ubiratan gostava de repetir, citada por um de seus filhos em entrevista ao Estadão no sábado, algo assim como “a coisa tá ruim, morde o freio e agüenta”, denotando suas origens de cavalaria. Engraçado o cavaleiro tomar a perspectiva do cavalo. A expressão, vinda de quem está no alto da hierarquia militar, pode não ser exatamente uma auto-ironia, ou a identificação do cavaleiro com sua montaria, mas do subalterno com a animália. É uma interpretação maldosa. E a frase é curiosamente próxima daquela outra “tomar o freio nos dentes”, que significa a rebeldia do animal contra o cavaleiro. Será que tudo isso tem alguma relação oculta e invisível com o massacre do Carandiru?

terça-feira, setembro 12, 2006

Estréia e festa



Parece que o a. vai.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Posesión del ayer

Sé que he perdido tantas cosas que no podría contarlas y que esas perdiciones, ahora, son lo que es mío. Sé que he perdido el amarillo y el negro y pienso en esos imposibles colores como no piensan los que ven. Mi padre ha muerto y está siempre a mi lado. Cuando quiero escandir versos de Swinburne, lo hago, me dicen, con su voz. Sélo el que ha muerto es nuestro, sólo es nuestro lo que perdimos. Ilión fue, pero Ilión perdura en el hexámetro que la plañe. Israel fue cuando era una antigua nostalgia. Todo poema, con el tiempo, es una elegía. Nuestras son las mujeres que nos dejaron, ya no sujetos a la víspera, que es zozobra, y a las alarmas y terrores de la esperanza. No hay otros paraísos que los paraísos perdidos.

J.L.Borges, Los conjurados.

É um poema sobre as perdas. Ao perder a visão, Borges perdeu as cores, mas pensa cores impossíveis que não pensam os que vêem. Sobre os versos do poeta, possivelmente um amigo, interpreta-os com a voz do outro, preenchendo com ela a sua ausência. O pai morto está sempre ao seu lado. “Só é nosso o que perdemos” é o mote do poema. Mas não se perde o que nunca se teve. “Nossas são as mulheres que nos deixaram”. E estamos livres dos alarmes e terrores da esperança.

segunda-feira, setembro 04, 2006

O fio da fábula

O fio que a mão de Ariadna deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este se enfiasse no labirinto e descobrisse o centro, o homem com cabeça de touro ou, como quer Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, desemaranhar as redes de pedra e voltar para ela, para o seu amor. As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro lado do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que num lugar pré-fixado estava Medéia. O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos imprevisível. O nosso bonito dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos e o percamos em um ato de fé, em uma cadência, no sono, nas palavras que se chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.



J. L. Borges, "Os Conjurados".

Esta imagem do Minotauro no fundo do labirinto, e Teseu a descer com a guia do caminho de volta, de Ariadne para Ariadne, pra mim tem o significado do enfrentamento do civilizado com o selvagem que habita em nós, o desejo físico que tanto nos perturba, o mesmo que a fábula do rei Kong. Em outro plano talvez também o egoísmo e a violência. Posso chutar que o corpo de touro e cabeça de homem do monstro de Dante é por causa disso, o ênfase do selvagem na parte inferior do corpo.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Saga

“A monarquia morreu... Deixemo-la na podridão silenciosa do seu transe, que nem a lira dos bardos entoará por ela sagas épicas, nem a boca dos áugures há de rezar-lhe outros responsos que não sejam desdenhosas vaias por não ter sabido defender-se (Fialho, Saibam Quantos, p. 14, ed. 1912).” Do Caldas Aulete. Saga é uma palavra de origem escandinava que significa a tradição histórica. Epopéia é o poema que narra, por assim dizer uma saga de ações grandiosas e heróicas. Se qualificarem assim suas façanhas, e você não é Ulisses, Erik, o viking, ou Vasco da Gama, você estará sendo tratado com ironia.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Condições anormais de temperatura e pressão

Estou lendo “A vida no limite”, com o sub-título “A ciência da sobrevivência”, de uma fisiologista de Oxford chamada Frances Ashcroft, ciência para leigos. Procura explicar os limites do corpo em situações de altitude, frio, calor, profundidade, falta de ar, esforço, os mecanismos físicos para lidar com essas situações e como tal conhecimento foi adquirido, sempre a custa de muitas mortes. Interessantíssimo pra quem gosta de ciências, como eu, um típico produto do enciclopedismo dos anos sessenta, quando as viagens espaciais, expedições submarinas, e grandes escaladas eram o máximo. Agora, tais atividades, antes reservadas a uma casta de super-homens foram reduzidas a esportes radicais, ou pior, “turismo de aventura”, diversão de fim-de-semana ao alcance de todos. A agradável narrativa é pontuada por casos extravagantes, como um jantar realizado num túnel sob o Tâmisa, quando suas duas pontas se encontraram, em ambiente pressurizado, o que fez com que o champagne não borbulhasse, a não ser depois que os convivas retornassem à superfície, com conseqüências desastrosas. Estou ansioso por chegar ao capítulo que trata de esportes, mas ainda estou nas dificuldades do deserto.

terça-feira, agosto 29, 2006

Rádio brega

Gosto muito de ouvir rádio no carro, pra mim, nada supera a possibilidade de ouvir alguma música inesperada e especial. Mesmo porque é difícil manter o repertório a bordo novo o suficiente para não se tornar uma tediosa repetição. O fato é que há muito tempo não me dedico mais a garimpar e acumular música. Ouço as rádios de velho, a Cultura, a Eldorado, e a Rádio Kiss, e quando estou com adolescentes, Jovem Pan, 89, e outras do gênero. Às vezes escuto um pouco de brega genuíno na Tropical, que tem um horóscopo com vinhetas excelentes. Hoje, vindo para o escritório, escutei o impagável adágio do Samuel Barber, a música do Platoon, que já vi parodiado em Casseta & Planeta ao som do dito cujo. Implico um pouco com o Oliver Stone, acho um pouco grandiloqüente e pomposo, assim como o Ridley Scott, que pra mim tem mais ou menos a mesma posição no panteão do cinema americano, mas até hoje me lembro de ter ficado impressionado com a cena em que o William Dafoe caça o colega no mato, e com o adágio que eu não conhecia. É uma peça fácil e sentimental, que pega qualquer um. Apesar da distância no tempo, me lembra o adágio do Albinoni, trilha do cafona Rollerball, que foi gravado junto com o Canon do Pachelbel, pelo Karajan, nos anos 70, gravação que eu imagino tenha sido responsável por erigir o Cânon na melodia mais tocada em casamentos nos Estados Unidos nas últimas décadas. A dúvida é se entregar ou resistir à essa breguice?

domingo, agosto 27, 2006

Joga as cascas pra lá

Ontem fui dormir cedo depois do churrasco na laje, uma verdadeira carnificina. Grandes pedaços de carne vermelha com uma capa branca de gordura, tripas estufadas com carne moída, e pentes de costela serrados ao meio, parecendo um moquém tupinambá. Uma caipirinha pra começar, e várias cartucheiras de cerveja depois às cinco da tarde não lembro mais o que aconteceu. Lá pelas sete desabei e fui acordar doze horas depois, pus a roupa de esportes, e esperando um dia como o de ontem, me besuntei de protetor solar. Estava encoberto e ventoso, com fortes rajadas vindo de algum lugar entre o norte e o oeste, e fui à raia sabendo que estaria ruim pra remar. Por outro lado, esse vento costuma limpar o tempo rapidamente. Realmente as condições estavam péssimas, com as ondinhas começando a quebrar, e quase ninguém na água. Encontrei um disposto a sair no double, já que single sambaria demais naquela água. A raia é orientada no sentido noroeste-sudeste, e o vento de sul, que traz as frentes frias, é o que predomina na cidade. Conversando sobre isso depois do treino, com o tempo já limpo, localizei o norte no horizonte da cidade, o pico do Jaraguá. Quando o vento vem dessa direção, os aviões aterrisam em Congonhas vindo do sul, e deixam a zona oeste livre da sua aproximação.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Chegando perto


Hellhound On My Trail
by Robert Johnson

I got to keep moving, I got to keep moving
Blues falling down like hail, blues falling down like hail
Mmm, blues falling down like hail, blues falling down like hail
And the day keeps on remindin' me, there's a hellhound on my trail
Hellhound on my trail, hellhound on my trail

If today was Christmas eve, if today was Christmas eve
And tomorrow was Christmas day
If today was Christmas eve and tomorrow was Christmas day
All I would need is my little sweet rider
Just to pass the time away, to pass the time away

You sprinkled hot foot powder, mmm, around my door
All around my door
You sprinkled hot foot powder, all around your daddy's door
It keeps me with ramblin' mind rider
Every old place I go, every old place I go

I can tell the wind is risin', the leaves tremblin' on the tree
Tremblin' on the tree
I can tell the wind is risin', leaves tremblin' on the tree
All I need is my little sweet woman
And to keep my company, hey, hey, hey, hey, my company

segunda-feira, agosto 21, 2006

Roubadas

Neste fim-de-semana, especialmente largado, assisti a um pedaço do “Saia Justa”, as moças comentando um fenômeno da internet, em particular do orkut, que é o reencontro de antigos amores, com várias entrevistas-relâmpago com pessoas na rua, algumas dizendo que o encontro provocava um frio na barriga, outras que preferiam “mudar de calçada”. A Maitê Proença contou um caso complicado, de um namorado da adolescência, que depois de um bom tempo de correspondência ótima que despertou nela uma expectativa grande, resolveram se encontrar, e ela fez vir o sujeito do exterior, baseada numa foto que depois ela qualificou de mentirosa. Quando chegou era um sujeito com problemas de postura, visivelmente “alquebrado pela vida” como ela disse, ou algo assim, que frustrou completamente suas ilusões. Sem graça de despachá-lo prontamente, tentou ajudá-lo levando-o a um terapeuta alternativo e ao candomblé, e se livrou dele assim que pôde. Se um atriz famosa por sua beleza cai nas armadilhas da rede, o que será dos comuns? Nos relacionamentos iniciados ou reiniciados na internet há uma inversão da ordem natural das coisas, parecida com a artificialidade das agências de casamento, ou qualquer forma de encontros arranjados. Não que eu ache que a ordem natural das coisas não possa ser mudada, mas tradicionalmente os relacionamentos se iniciam pela atração física, imediata e palpável, geralmente em uma situação em que alguma identificação social foi rapidamente constatada. Pela internet o ataque pode começar por dentro do cérebro, pelo tatear das fantasias, o que, aliado a uma foto mentirosa, pode dar excelentes resultados, especialmente por estar a outra parte sentindo-se protegida e disposta a expor-se mais na conversa, revelando informações importantes ao manipulador. Aumentam as probabilidades de conhecer mais gente, na mesma proporção em que aumentam as probabilidades de roubada, vindas do passado e do presente.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Trans

Conforme o tempo vai passando a ciência vai identificando os piores venenos que consumimos, voluntariamente ou não, e vamos nos defendendo como dá. O DDT, o mercúrio, o chumbo, o amianto, os aerossóis, aquele gás das geladeiras, foram tanto quanto possível eliminados do nosso contato, outros com os quais o contato é ainda inevitável, como o monóxido de carbono e o tabaco estão sendo também combatidos. Isso pra falar das mais óbvias. A grande vilã do momento é a gordura trans, que nada mais é do que um tipo de gordura hidrogenada, a que é produzida pela indústria, e ao que parece o lobby da indústria alimentícia não conseguiu mais esconder a sua extrema nocividade ao consumo humano. Segundo a Anvisa, toda a gordura hidrogenada produzida pela indústria é trans, que tem a função de tornar sólida a gordura e prolongar a durabilidade dos alimentos, ou seja, a base da fabricação e distribuição de alimentos industrializados.. E não se deve consumir mais que duas gramas de gordura trans por dia. Numa Veja recente se diz que uma batatinha do McDonalds tem dez vezes a quantidade tolerável. O fato é que sobre a gordura trans se construiu toda a indústria alimentícia atual. E a impressão que eu tenho é que houve um gigantesco erro histórico na solução para alimentação das massas. Todo o investimento que foi feito no desenvolvimento da indústria alimentícia, que transforma mares de soja em todo tipo de guloseima envenenada, deveria ter sido canalizado para o abastecimento de produtos frescos, como quitandas, açougues, peixarias e padarias, e não em nestlés e carrefours. Depois da indústria do tabaco, acho que a guerra agora será contra a indústria alimentícia, que está se mostrando tão perigosa para a saúde como o cigarro. Isso sem falar na farmacêutica.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Filme de terror

Vi o Munique ontem, o filme do Spielberg sobre o atentado contra a delegação israelense da olimpíada de 1972, e os seus acontecimentos posteriores. É um filme corrido, difícil de acompanhar, que demanda atenção como aqueles filmes antigos de espionagem, e em que a história é contada aos saltos, dando a impressão que é de propósito, e que só adultos inteligentes e concentrados vão se divertir com aquilo, como se estivessem sendo exigidos como espiões. A diferença é que ao contrário dos filmes de guerra-fria, quase comédias de ação, contém discussões éticas sérias mesmo. E ao contrário de outros filmes, sérios ou não, do Spielberg, neste ele controlou sua tendência ao pieguismo muito bem. Na edição do DVD – ainda com a etiqueta de lançamento - há uma introdução com ele falando sobre o filme, que pode muito bem ser vista depois, em que defende o seu esforço de imparcialidade. O filme é atual como nunca, mostrando que a guerra de guerrilha pode ser, e geralmente é, patrocinada pelos Estados e não brotada de movimentos populares, ou seja, os Estados são secretamente terroristas. Perdidas as causas históricas remotas, todos têm boas razões mais ou menos equivalentes, ou pelo menos sustentáveis, para lutar. O duro é distingüir o que é útil, necessário e eficiente do simples derramamento de sangue. Mais do que nunca, é de pensar-se nos aforismos dos advogados, frutos da experiência e do senso comum, do tipo “é melhor um mau acordo do que uma boa demanda”, “tolo é o advogado que tem a si próprio como cliente”, “o bom acordo é o que deixa as duas partes insatisfeitas”, todos dizendo que os envolvidos nunca têm a serenidade necessária para solucionar seus próprios conflitos.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Júlio de Mesquita


Em bronze, com um tiro na testa, olhando o lugar aonde ficava o seu jornal.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Santos F. C.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Auto-atrapalhação


Foi-se ou não o tempo em que a palavra era definitiva? Para o bem e para o mal, frente aos outros ou pior, a si mesmo. As auto-promessas de dieta, abandonar vícios e outras fixações, parecem ser feitas para serem quebradas. O promitente sabe racionalmente o que é melhor para ele mas uma força superior lhe tolhe a vontade, proporcionando o prazer rápido de um chocolate e uma mais persistente sensação de fraqueza e derrota. Nesta despretensiosa reflexão amadora, eu poderia fazer uma primeira divisão entre as compulsões ativas, de fazer, e as passivas, de não-fazer, se é que podem ser chamadas assim. Destruir um pacote de bolachas doces seria uma compulsão ativa, e faltar à sessão da academia, passiva. Pode-se inverter o sinal, e ver-se o oposto. Não conseguir deixar de atacar a geladeira, ou seja não impedir-se de violar a regra auto-imposta, deixar a vontade baixa escapar do controle pode ser vista como passiva, assim como optar por ir à sorveteria ao invés da academia pode ser vista como ativa. É possível enxergar-se a questão assim, como vetores equivalentes, mas me parece uma certa forçação de barra. Fazer o que não devo e não fazer o que devo pra mim é claro e palpável. Então a luta é para não fazer o que não devo e fazer o que devo. Ambas as posições tratam do dever auto-imposto, mas há uma diferença grande entre elas. A compulsão que supera a vontade é muito mais difícil de ser tolhida do que obter a motivação pra fazer o que se deve, ou executar-se os planos de progresso. Digo isso por experiência própria. Bom é quando a compulsão nos leva para onde queremos ir.

quinta-feira, agosto 03, 2006


Em nova versão gentilmente melhorada por a.
Da minha sala de trabalho, por um bisavô diletante

Demoro pra aprender certas coisas. Há muito tempo que eu sei e reflito sobre o assunto, que numa negociação qualquer, seja um negócio, uma briga familiar, ou mesmo pegar um cavalo no pasto, é necessário deixar espaço para que o interlocutor dê todas as voltas que quiser para aceitar a proposta ou oferecer uma contraproposta, sem confronto. Cercar todas as saídas antes da hora, acuando, é a melhor maneira de perder o negócio. Volta e meia, ansioso, ainda faço isso. Mesmo sabendo que negócio e baile funk tem todo dia.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Fogo


Até tirei uma foto do fogo na lareira ontem à noite, minha modesta contribuição para o aquecimento do planeta, a família reunida depois da dispersão das férias, incluindo os apêndices mais freqüentes, a sogra e o namorado da filha mais velha. Aproveitei para queimar uns arquivos secretos, que devem ter produzido uma boa quantidade de gases tóxicos.

terça-feira, agosto 01, 2006

E as vicunhas?


São camelos selvagens que pastam pedras.

sexta-feira, julho 28, 2006

Una canción desesperada

De carro pela cidade, o trânsito já um pouco esparso depois da hora do congestionamento, desci do espigão da Paulista pela Rebouças, passei por baixo do túnel da Faria Lima, peguei a marginal Pinheiros na direção sul, e fui procurar o bairro da minha infância e adolescência, explorado de bicicleta, skate, motos e motonetas, e até um dodge dart azul, no tempo em que os carros eram coloridos por influência dos hippies, antes da ditadura do prata e do preto. Errei a rua da igrejinha, mas depois achei a rede de neurônios que representava aquela geografia e liguei. Daí refiz todos os circuitos, reconhecendo as casas do meu tempo embaixo daquela glace das reformas e os muros altos, e esquadrinhei o asfalto novo dirigindo suavemente pelas curvas conhecidas, acelerando um pouco mais em um ou outro ponto. Tudo isso ouvindo um pop suave. Então me enfiei pelos túneis por baixo do Rio Pinheiros, Santo Amaro, até submergir por baixo do Ibirapuera no ritmo seriado das luzes a setenta por hora, despontando na Sena Madureira e subindo novamente o espigão, pra chegar em casa só um pouco atrasado.

quinta-feira, julho 27, 2006

Alalaô


Este cone quase perfeito tem o sugestivo nome de Licancabur, dado ao vulcão pelos antigos habitantes do local onde está San Pedro, que o adoravam como deus e mantinham o mau hábito de oferecer-lhe jovens e crianças em sacrifício. Uma montanha de quase seis mil metros como esta merecia uma consistente cobertura de neves eternas, ainda que tal decoração possa ser considerada clichê e até cafona. Intrigado com a ausência, consultei alguns locais que asseveraram que há dez anos atrás o adereço existia de forma permanente, o que confirmei em cartões postais, que não têm em geral preocupação com atualidade. Ao comentar este fato com a recepcionista do hotel, moradora mais ou menos recente, ela o desmentiu e disse que poucas semanas antes da minha chegada o monte estava coberto até a metade de neve. Fiquei pensando nas notícias que têm saído sobre a elevação da temperatura do planeta, e deu-me a dúvida se não haveria algum sensacionalismo nas fotos de geleiras sem gelo e montanhas que estamos acostumados a ver com neve ao cume, como o Kilimanjaro, desprovidas do simpático acessório, e se as tais neves eternas não são tão eternas assim, mas sujeitas a alguma sazonalidade. Mas o calor que tem feito este verão em São Paulo, com temperatura recorde para o mês de julho de mais de trinta graus, as ondas de calor na Califórnia e na França provocando a morte de muita gente, e uma notícia de hoje no Estadão, denunciando significativo e veloz aumento de gás carbônico e outros gases na atmosfera, responsáveis pelo famoso efeito estufa, estão me fazendo começar a acreditar que a coisa é pra valer. Quando essas notícias começaram, houve uma voz dissidente que disse que o fenômeno era cíclico. O planeta esquenta, aumenta a evaporação, conseqüentemente se intensifica o regime de chuvas, a cobertura vegetal se desenvolve e a temperatura volta a baixar. Fez sentido pra mim, e me apeguei a esta idéia. Agora, já estou achando que a onda contrária não vai dar conta. Especialmente depois do fiasco do Protocolo de Kioto graças à negativa daquele país dos automóveis gigantes de motores enormes. Acho que está na hora de começar a andar de bicicleta. Churrasco, nem pensar.

quarta-feira, julho 26, 2006

Lhama



Respondendo a indagações, não só conversei com algumas lhamas, como o bravo Capitão Haddock – sem o privilégio da ducha, característica do animal da qual não consegui apurar a veracidade – como tive o duvidoso prazer de experimentar a sua carne.



No pitoresco pueblito de Machuca, lá no altiplano, que mais parece uma desabitada cidade cenográfica, na qual estavam só três ou quatro habitantes supostamente locais, um deles vendia churrasquinho de lhama, no melhor estilo “de gato”, entremeando à carne rodelas de salsicha barata, para conseguir atender a grande clientela turística a dois dólares o espetinho. Escura e de sabor forte, parece carne de caça. Só não duvidei do pedigree dos moradores porque vi um deles pegar um saquinho de quínoa, que as boas lojas de produtos naturais vendem caro como o cereal dos reis, e macerar num pilão de pedra ao pé de uma casa usando uma outra pedra, igualzinho ao que vi em um museu arqueológico, segundo o qual vem sendo usado há dois mil anos.

segunda-feira, julho 24, 2006

Turista



Este lugar aparentemente intocado, a mais ou menos quatro mil e trezentos metros de altura, entre dois vulcões de altura aproximada de seis mil metros, faz parte de uma região devastada pelo turismo. O turista é sempre um predador. Não adianta se iludir, pode ser jovem, mochileiro, interessado na cultura do lugar visitado, não deixar lixo, viajar discretamente em pequenos grupos para lugares pouco procurados, será sempre um turista, tão danoso como uma grande excursão de pacote. O turismo em San Pedro de Atacama deve ter começado assim, como começou em Canoa Quebrada, Trancoso, e tantos outros lugares. O turista chega, se encanta, e compra a preço de banana, que aos locais parece uma fortuna, tudo o que eles têm, até que às tantas os naturais vão morar na periferia de onde moravam, e trabalhar para os turistas que se radicaram no novo paraíso, armados de capital e “cultura cosmopolita”: basicamente saber o que gostam os turistas. Aconteceu isso tanto no litoral paulista, com os caiçaras, como no Havaí, onde os descendentes dos reis agora são favelados sem vista para o mar, e empregados dos hotéis e estabelecimentos dos norte-americanos. San Pedro continua sendo uma vila de ruas de terra e casas de adobe, só que virtualmente todas as casas – com exceção dos pequenos armazéns – se transformaram em hotéis, restaurantes, lojas de artesanato e agências de turismo, tocados por forasteiros. Como aconteceu num período mais recente, em que o acesso à informação é mais fácil para todos, me pareceu que os atacamenhos não se deram tão mal. Moram em ruas calçadas na periferia, em casas novas com confortos modernos, como bons eletrodomésticos e computadores, alguns recebem polpudos aluguéis por seus imóveis no centro, e a comunidade administra o ingresso dos parques onde estão atrações turísticas, o que não é pouco. Ainda assim perderam a cidade onde viviam, que virou uma espécie de parque temático habitado por turistas do mundo inteiro. A sedução da prosperidade é irresistível, mas é uma acomodação difícil e traumática. Uma hora entrei na igreja do século XVI, ainda viva e em pleno funcionamento que pouco se abre, e dois locais estavam concentrados rezando. A imediata invasão dos turistas, fazendo o piso ranger, e os murmúrios dos comentários quebravam o silêncio sepulcral que a atividade requer, até que um dos circunspectos rezadores, com a concentração já perdida, visivelmente irritado, advertiu um turista que era proibido tirar fotos. É o preço.

terça-feira, julho 11, 2006

Férias

Pronto, liguei o foda-se, tomei duas canjebrinas (por enquanto), amanhã de madrugada zarpo para onze dias de férias sem crianças. Uma passagem, uma gaitinha, e um destino incerto. Se der mando umas novidades. Inté.

Pangaré

Pode ser óbvio, mas segundo a minha experiência, as pessoas tendem a reagir umas às outras de acordo com o modo como são tratadas. O marcador italiano de Zidane, segundo o boato mais recente, reagiu à sua arrogância do francês que teria lhe dito ao ser puxado pela camisa algo como “se você quer minha camisa tanto assim, te dou depois do jogo”, afirmando que “nós sabemos que o seu pai é terrorista e sua mãe uma prostituta”. Moral de lado, a agressão foi magnífica. Zidane fez que se afastava até atingira a distância necessária, e virou-se de repente, aproveitando-se da surpresa, e atingiu o peito do ofensor em cheio, bom de cabeceio como é, derrubando o cara no chão. Foi tratado como terrorista e reagiu como terrorista. Tenho visto isso por aí. Se você tratar o seu mecânico como um desonesto, que vai lhe roubar de tudo que é jeito, ele vai perceber a sua desconfiança e reagirá à altura, se aproveitando mesmo. Acredito que esse tipo de ruído na comunicação tem até o poder de transformar honestos em ladrões. Trate uma pessoa com confiança e respeito, e ela tenderá a te devolver a confiança. Talvez até uma pessoa desonesta te poupe, por ser reconhecida como boa, e aproveitar essa sensação agradável com alguém. Trate sua mulher como uma traidora, e ela te trairá. Pra mim isso é verdade, pelo menos como tendência. O que não pode é exagerar. A carga não pode ser excessiva. Trate um pangaré como campeão e ele só vai se revoltar.

quinta-feira, julho 06, 2006

Amanhã eu conto

Depois de um mês de enrolação, a alteração sem qualquer explicação dos planos, do four skiff (quatro remadores, remos duplos) – para o qual contribuí com uma grana em remos que não vou usar – para o quatro sem (quatro remadores, um remo para cada um), o barco começou a treinar ontem. Nesse dia cheguei à raia todo pimpão às seis e meia, e o técnico, onipotente e insondável como o Javé do antigo testamento, mediu-me com repulsa e desdém, acusando-me da terrível falta de não ter comparecido às cinco da manhã. Claro que não adiantou nada eu ponderar que não tinha sido avisado, defesa que tinha o defeito de transferir a responsabilidade para ele, e assim, de nada valia. Hoje eu acordei às quatro e meia e saí no barco, noite fechada e cerração, só com as luzes dos cartazes da Marginal Pinheiros, e deu pra ver que vai ser preciso muito trabalho pra acertar a remada. Começou mal e vai piorar. O que eu não contei ainda, é que quarta-feira que vem vou viajar e vou perder sete treinos. A regata é no começo de agosto, então não sei se vai dar pra eu permanecer na guarnição. Estou bem animado com o remo, e é muito mais divertido remar em grupo do que sozinho, mas esse sujeito já está me fazendo perder minha enorme paciência.

terça-feira, julho 04, 2006

Viajar leve 2

Boa parte do peso morto que carregamos, obrigações várias, vêm dos nossos próprios bens, que graças à interferência do estado nos atos da vida cotidiana cada vez maior, dão mais trabalho do que evitam, como era de se esperar. Por exemplo, um carro. IPVA, multas, pontos, renovar a carta, escolher um posto honesto para abastecer, pedágio, sem parar, manutenção, revisão, seguro, seguro obrigatório, será que vale a pena? Porque não uma bicicleta pra distâncias curtas, táxi para as médias, e ônibus ou avião para as maiores? Ou a casa. Depois de comprada, o IPTU, o condomínio, o jardineiro, a empregada, as contas de água, luz, gás, tv, telefone, segurança. Fazendo um exercício de futurologia, será que a tendência não é nos livrarmos de tudo isso e entregarmos a profissionais, como já fazemos com as festinhas de criança e a lavanderia? Será que o sistema dos flats com serviços de hotelaria não vai se ampliar e melhorar e nos salvar definitivamente do chatíssimo trabalho doméstico, incluindo a administração da casa? Imagine pegar tudo o que você tem, converter tudo em grana, aplicar e não digo viver, mas morar e se transportar com o rendimento do capital desses itens, e não ter que cuidar de carro nem da casa. Não combinaria melhor com a nova família do casamento dissolúvel? Casou, muda de um apartamento, chalé, bangalô, flat, o que quer se chame, “single”, para um duplo. Teve filho, abre-se uma porta para um anexo. Separou, pega sua malinha e volta para o single. Claro que teria que ter um jeitão mais de casa e menos hotel do que os flats atuais.

segunda-feira, julho 03, 2006

Viajar leve

Sempre fui um mau acumulador. Sou desorganizado, indisciplinado e perdulário. Não tenho grandes aspirações de consumo, embora tenha ocasionalmente algumas urgências para adquirir certos bens, normalmente discos ou livros, atraído por uma referência qualquer do interesse do momento. Já gastei bastante dinheiro com instrumentos musicais, que estão abandonados em seus estojos, não digo se deteriorando muito porque não precisam grandes cuidados, mas quem for usá-los terá que fazer uma boa revisão. Os livros e discos vêm e vão. Poucos ficam. Numa mudança perdi algumas caixas de livros que ficaram guardadas num sítio, e movidas do lugar protegido onde pus tomaram chuva. Os discos, tenho algumas caixas cheias de vinil, alguns sem capa outros só a capa, e mesmo os mais recentes cds, muitos já se perderam. Um amigo meu aspirante a budista diz que essas coisas tem que circular mesmo. Como sou mau zelador, não acho que as mereça. Coisas mal guardadas não servem pra nada, pois quando se precisa não se acha, quando se acha, não está em condições de uso. Melhor não tê-las. Filmes, nunca cogitei comprar uma fita de vhs na minha vida. Ainda que depois de alguns anos rever um filme - vale para livros também - proporcione tanta novidade quanto da primeira vez, pra mim não vale a pena guardar tanto uma coisa para usar tão pouco. Quanto aos discos, a repetição é importante: ou você gosta bastante dele, e ouve a ponto de impregnar o seu cérebro de forma permanente da sua memória, ou não valeu a pena tê-lo comprado. Há pessoas que expressam sua personalidade através do patrimônio, o que eu muito respeito. Um sujeito com que eu toquei tinha uma imensa coleção de discos, organizada por ordem alfabética do artista ou conjunto, com exceção dos clássicos, por autor. O grosso da coleção era de rock. E era ótimo ficar na casa dele conversando sobre música, conversa que era ilustrada por músicas ou trechos de músicas que ele localizava e tocava com uma agilidade impressionante. Ele morava num pequeno apartamento totalmente tomado por discos, algo como um imenso I-pod analógico. Ainda bem que com toda a facilidade de armazenamento, indexação e circulação que há hoje em dia, com tudo isso reduzido a dados binários, nada disso será mais necessário.

sexta-feira, junho 30, 2006

Assédio

Acabei de ver o perigosíssimo filme Assédio, do Bertolucci, e estou completamente espantado. O filme é quase mudo, pouquíssimos diálogos. Uma complexa e profunda história é contada praticamente só com música e imagens. A história se baseia num paradoxo, que escapa no meio do filme da pregação de um padre, comentando a passagem do Gênesis quando Ló se dirige a Sodoma sabendo da sua destruição iminente: “Quem tenta preservar a vida, a perde; quem a perde, fica em segurança”. Nos assuntos mais misteriosos, quem procura não acha, ou acha indo na direção oposta. O par central é formado por pessoas de culturas diferentes, com uma certa dificuldade de comunicação, em posições que não favorecem a confiança. Uma casa vertical com uma imensa escada espiral em torno da qual tudo gira, e um piano que toca sem parar são personagens importantes. As cores, os atores, a levada, a música, a história, as passagens do real para o sonho, os comentários do inconsciente, tudo é ótimo. Minha vontade é contar tudo, detalhadamente. Traduzir em palavras a história visual/musical seria muito divertido. Não falo mais porque não quero estragar a imensa diversão. Fico impressionado por nunca ter nem ouvido falar na existência desse filme, que me foi indicado por um ser tão intangível que parece ter emergido do planeta onde se passa esta história.

quinta-feira, junho 29, 2006

Esperando Bardot

Nelson Motta

Naquele tempo, uma viagem a Búzios era uma aventura que exigia grande paciência, disposição e coragem. Mas o tempo estava do nosso lado, éramos jovens e cheios de energia, era sexta-feira e ficamos dançando cha-cha-cha e hully-gully no Le Bateau até as tantas, quando meu amigo Ratinho propôs a grande aventura. Entusiasmados, decidimos botar o pé, ou melhor, o Fusca, na estrada. De Copacabana fomos até o cais da praça Quinze e entramos numa longa fila de carros que aguardava a chegada da barca que nos levaria a Niterói. Depois de uma longa espera, perdemos a vaga por um carro de diferença e tivemos de esperar a seguinte. Uma hora depois, visivelmente alcoolizados, atravessávamos lentamente a baía de Guanabara sob o céu estrelado, um barco apitava na noite, as luzes da cidade se afastavam como as pérolas de um colar. Com o vento no rosto, cantávamos os novos sucessos da Bossa Nova que tocavam no rádio do carro, João Gilberto, Sylvinha Telles, Nara Leão – não poderia haver trilha sonora mais adequada. De Niterói a Cabo Frio, noite adentro, o Fusca azul enfrentou galhardamente uma pista estreita precariamente asfaltada, cheia de curvas perigosas, bufou e resfolegou numa serra, cruzou pontes balançantes, e duas horas e meia depois chegamos. Quase. Com o dia já amanhecendo entre as salinas, tomamos um café no posto de gasolina na entrada de Cabo Frio e pegamos o caminho para o paraíso.A estrada para Búzios era pouco mais que uma picada aberta no mato, esburacada e poeirenta. Em mais uma hora estaríamos lá, qualquer sacrifício seria bem-vindo diante da possibilidade de ver Brigitte Bardot de perto. Estrela máxima do cinema francês, deusa do sexo que povoava nossas fantasias (e do mundo inteiro), Brigitte veio para o Brasil com o namorado Bob Zagury (um argelino de Ipanema que orgulhosamente a imprensa chamava de “franco-brasileiro”) e se apaixonou por Búzios, uma vila de pescadores onde ninguém a conhecia. Para ela, o Taiti era aqui. Para nós, ela era a encarnação da beleza, da liberdade e do desejo. E Búzios, bem, era uma ruazinha de pedras em frente ao mar azul, com algumas cabanas de pescadores e mais nada. Não tinha luz, gás, água nem telefone. Mas tinha BB! Onde? Perguntamos a um pescador, e ele apontou uma casa de madeira num canto da praia. Subimos numa pequena elevação e nos colocamos atrás de uma grande árvore, em posição privilegiada para a nossa delicada missão, olho vivo e faro fino. Ficamos ali de plantão, caindo de sono, até meio-dia, quando finalmente as janelas verdes se abriram e vislumbramos uma cabeleira loura passando pela sala. Uma Bossa Nova começou a tocar na vitrola. Segunda-feira na faculdade, ninguém vai acreditar. A porta se abriu e, finalmente, em todo seu esplendor, Ela, bronzeada, cabelos ao vento, enrolada num pano estampado. Inundada de luz e alegria, abriu os braços para o sol e, num movimento rápido, desenrolou o pano do corpo, lançou-o ao vento e, nua como em E Deus criou a mulher, correu para o mar azul diante de nossos olhos pasmos e de nossos corações disparados. Na faculdade ninguém acreditou. Quarenta anos depois, saí de Búzios há menos de duas horas, vim escrevendo esta história no laptop e já estou chegando a Ipanema.

Acho ótima a história. Esta mulher é um troço!

quarta-feira, junho 28, 2006

Frio

Hoje, na manhã mais fria do ano, acordei um pouco antes das seis, e logo depois estava de calção e camiseta sentado no skiff, em plena raia. O termômetro da rua marcava onze graus e o vento sul produzia incômodas ondinhas. Nessas condições, o remador inexperiente volta e meia bate a pá numa delas, o que altera a sua trajetória, e a variação da altura do remo balança desconfortavelmente o barco. Fora a água que espirra. Quando se vai a favor quase não se sente o vento, mas quando se chega ao fim da raia o vento gelado bate com tudo nas costas molhadas de suor. Lá pelo quilômetro quatorze começou uma chuva fina e abundante, e só não encostei porque comecei a remar mais rápido pra acabar logo e me animei, completando os dezesseis previstos. Paguei antecipadamente os cajus amigos que vou tomar à noite.

terça-feira, junho 27, 2006

Além de matar o gato

CC – Porquê ser-se curioso?
CF - A curiosidade é aquilo que nos move a querer saber. Sem curiosidade não há ciência. Perguntaram um dia a Einstein o que é que o distinguia das outras pessoas. Ele disse que era uma pessoa como as outras, que talvez a única coisa que tinha de diferente era precisamente uma "curiosidade apaixonada". Fui portanto buscar a Einstein o título do livro. Devemos aprender com os grandes mestres... Einstein tinha uma curiosidade obsessiva, que só a paixão transmite.
CC - Porque é que considera ser importante incentivar a «curiosidade apaixonada» do público?
CF - A mensagem a transmitir ao público é a de que a ciência se faz com curiosidade e paixão. Aliás isso não é exclusivo da ciência, há outras actividades humanas que se podem fazer com curiosidade e paixão...

segunda-feira, junho 26, 2006

Ainda São João

Estava procurando na minha estante caótica uma versão supostamente fiel às primeiras que eu li há muito tempo atrás da lenda de Tristão e Isolda – que eu me lembre da introdução é uma balada que remonta a tradição oral – para saborear um pouco mais o bom filme, quando me deparei com uma edição portuguesa da peça “Sonho duma noite de São João”, de Shakespeare, chamada por aí de “Sonho de uma noite de verão”. Já que acabamos de passar por São João, peguei o volume e dei-lhe uma folheada. No fim há uma nota do heróico tradutor – em versos – justificando, com um comentário de Victor Hugo, a referência no título à noite que corresponde ao solstício de verão no hemisfério norte.

O ilustre habitante do Panteão de Paris, (certo Fitzwilliam?) inicia sua argumentação explicando o significado da expressão do título original Midsummer, que não é o meio do verão, mas a data do solstício, uma noite de festa importante e particular dos britânicos: “Na inglaterra de Shakespeare a véspera de Midsummer era a noite fantástica por excelência. Nessa noite, e no momento a ponto em que nascera S. João, é que saía da terra a afamada semente de feto, que tinha a virtude de tornar invisível. Para haverem esta semente, pelejavam entre si com toda a braveza as fadas capitaneadas da sua rainha e os demônios sob o manto de Satanás. Os mágicos mais destemidos, costumavam ter-se de vela nas solidões, com o intuito de ganharem por mão aos espíritos, e apanharem primeiro que eles, a preciosa semente. Muitas vezes porém lhe sucedia aguentar com eles desavenças pavorosas; e a não terem por si feitiços de grande posse, levavem a vida em contingências. Nesses lances, os mais bem livrados eram os que vinham só sovados do conflito.”

Já inventando, chuto que talvez ou até para afastar o desagradável demônio católico do contexto da sua peça leve e onírica, o bardo inglês tenha situado a história na Grécia antiga, limitando a população de seres intangíveis a fadas e duendes, que, por outro lado, nada têm de bonzinhos. Aliás, por se situar na antiguidade anterior a Cristo, talvez não devesse o tradutor ter usado a efeméride católica como referência. O próprio Victor Hugo, por não reconhecer na cultura francesa o significado fantástico da Noite de São João optou pelo tradicional título “Sonho duma noite de estio”. O português que se assina apenas Castilho concluiu ao contrário que “as práticas supersticiosas, crenças de profecias, e quimeras poéticas” em sua terra nada ficam a dever às britânicas, e assim justificou a sua noite de São João.

Mas é a noite em que as amarras do real ficam soltas e o sobrenatural domina, fazendo o amor triunfar sobre o dever, sob o efeito dos feitiços das fadas e duendes.

domingo, junho 25, 2006

São Vito Mártir

Nessa noite de São João fui ao cinema ver Tristão e Isolda, uma ode ao amor que supera o dever e a morte, e depois fui parar, não sei muito bem como, na festa de São Vito Mártir em pleno Brás, patrocinada pelo petybon grano duro, macarrão ao sugo a cinco reais em pé ou dez reais na "área vip", também conhecida como "cantina", em mesas perto do palco, com show do Maurício Pereira, o cantor luso-italiano acompanhado pelo Turbilhões de Ritmos, cantando músicas italianas, aquelas românticas tradicionais como Dio como te amo, Volare, e outras tantas, algumas tarantelas, e várias bizarrices, como Elvis em italiano (Suspicious mind virou L'ultimo tango em Memphis), Roberto em italiano (Donna de um amico mio), Beatles em italiano, Adoniran, Incríveis nos originais italianos (Era um ragazzo que come el me), e até um medley da Laura Pausini.

sábado, junho 24, 2006

Pura implicância

Hoje de manhã fui ao clube cortar o cabelo, que, como diria a. já estava na fase pompom, e finalmente encontrei o amigo imaginário do barbeiro gordo, que não é o seu duplo nem imaginário. É baixinho e tem um caprichadíssimo capacete de cabelo grisalho e um bem aparado bigode. O outro é enorme e usa um cabelão ondulado, dividido no meio, bem anos setenta. Achei meio sem graça. Lá dei uma olhada no Estadão, coisa que não tenho feito com atenção nessa fase burralda. Encarei só o Caderno 2, e li um artigo de um tal Aluízio Falcão, "especial para o Estado", reclamando do hábito do falar difícil. Discordei de quase tudo o que ele disse.

Ele começa mencionando "a exposição sobre nosso idioma e sua merecida repercussão", sem sequer mencionar que exposição era essa, e demorei - é verdade que ando lento - um pouco para supor que se tratava do Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz. O articulista pelo menos se deu ao trabalho de “defender” - não diz quem, mas se intui os organizadores - da inveja dos "formuladores" de críticas (de onde ele tirou essa expressão?!) por imprecisões históricas, categoria na qual eu o incluiria só por essa menção mesquinha.

E aí envereda em uma cruzada em defesa da clareza da língua, usando uma imagem desagradável: "A Língua Portuguesa precisa de um regime para emagrecer. Deve urgentemente perder celulites que agridem a decantada formosura do seu corpo." Pra mim é um rematado absurdo alguém pregar a redução de palavras de uma língua, ainda que pouco usadas e feias. Como diz o ditado, o que abunda não prejudica. Ele exemplifica com "aleivosia", que qualifica de tenebroso vocábulo, no meu ver adequado ao significado. Prossegue enumerando "jaez, ínterim, encômio, vitupério, entrementes..." que considera "rebarbativas" (isso não é falar difícil?), e segundo ele sempre haveria outra correspondente "mais bonita e mais simples, de igual significado, que todo mundo entende". Pra mim, a sinomínia é sempre aparente, e existem diferenças sutis entre as “iguais”, quanto mais não seja pelo som, e a variedade dá colorido à língua. A sua tese é de que há um gosto pela incomunicabilidade, e falar difícil confere status. E chuta, sem qualquer base ou referência, de que esse gosto vem do latinório dos primeiros bacharéis, e exemplifica com Rui Barbosa, dando a entender que são os primeiros bacharéis brasileiros. Não sei porque o gosto pela retórica pomposa não viria dos antigos gregos, ou dos romanos em decadência, só pra aventar algumas hipóteses.

Há aí uma incoerência na argumentação, porque latim não é português, e o uso de expressões estrangeiras não é exatamente o português rebarbativo, mas sim um outro fenômeno de linguagem. E o Aluízio prossegue no desvio da sua tese inicial, com a seguinte bobagem: "profissionais de outras áreas também criaram jargões próprios, dificultando a compreensão de seus textos pelos outros mortais. Daí o economês, o sociologuês e outros idiomas dentro do idioma." Falcão comete a ingenuidade de ignorar a existência da linguagem científica, estudada pelos intelectuais do chamado Círculo de Viena, que reconheceram a existência de várias linguagens especializadas utilizando ou não o idioma como base, que têm como característica a busca da clareza através dos significados únicos, e só servem aos interlocutores que as conhecem. Não têm nada a ver com o rebarbativo ou o gosto pela incomunicabilidade, muito ao contrário, perseguem a precisão.

Passa a disparar sua metralhadora descontrolada pela literatura, abatendo ao acaso alguns “rebarbadores”, começando em Euclides da Cunha, de quem admite a genialidade que reputa escondida pela afetação, com base no argumento da autoridade de Joaquim Nabuco, novamente construindo seu raciocínio de forma infeliz, pois para Nabuco, segundo o próprio Aluízio, Euclides era um mau escritor. A mim parece óbvio que Euclides não seria Euclides sem a afetação, pois na literatura, ao contrário da linguagem científica, o estilo, ou melhor dizendo o modo de expressão do autor, é indissociável das idéias que expressa. Esperemos só que Aluízo não se proponha a limpar o texto dele.

A vítima seguinte é Augusto dos Anjos, a quem também diz admirar, afirmando porém "que se tornou famoso por seus piores versos, aqueles de linguajar rebarbativo: Cosmopolitismo das moneras/pólipo de recônditas reentrâncias..." É estranho um admirador do poeta não reconhecer o seu escancarado senso de humor nesses poemas gongóricos de metáforas médicas e científicas, esgarçando o idioma ao máximo para dele arrancar imagens de arrepiar, como no genial soneto "Psicologia de um vencido". Igualmente, retire-se essa característica de Augusto, o que sobrará?

No parágrafo seguinte comete um terrível erro de concordância, ao bajular a linguagem jornalística moderna (porque será?): "Inclusive quando incorporam uma linguagem que, pelo uso corrente na oralidade, adquirem o direito de ingressar na linguagem escrita." Esse mérito é no mínimo discutível, primeiro porque o interesse é vender jornais, e também porque não se pode esquecer a responsabilidade dos grandes órgãos de imprensa na manutenção da qualidade lógica e funcional da língua.

Ataca então os parnasianos, e aí falta originalidade à crítica. Desde criança ouço falar mal do apego excessivo às formas e aos temas clássicos e distantes dessa turma. Novidade haveria se tivesse mostrado algo de bom. E falha mais uma vez em seu exemplo: “Mesmo aquele de Olavo Bilac sobre a Língua Portuguesa e que começa com Última flor do Lácio inculta e bela” merece reparos. Primeiro, porque o poeta imaginou que todos os seus leitores tinham a obrigação de saber que o Lácio era uma antiga região da Itália, onde primitivamente se falava o latim.” Foi mal. O Lácio não era, o Lácio é uma importante província da Itália, com mais de cinco milhões de habitantes, onde se encontra Roma, e que tem um famosíssimo time de futebol de mesmo nome, o Lazio. E todos os leitores de Bilac sabem que o português é uma língua latina. Lácio, Latium, latim, não é uma charada tão difícil assim, ainda mais levando em conta o tema do poema e o sentido do verso.

Os dois últimos argumentos também não têm nenhuma lógica, e apontam como culpados pelo falar difícil as teses acadêmicas perdidas no escurinho das bibliotecas – se não são lidas não podem causar dano – e os gramáticos puristas, aos quais, segundo o próprio autor, ninguém presta atenção. É óbvio que as críticas que tais seres retrógrados e obscuros não teriam força nenhuma para barrar o progresso da língua.

É triste ver desperdiçado o espaço nobre de meia página do caderno cultural de um dos mais importantes jornais do país com tanto papo furado.