segunda-feira, outubro 30, 2006

Incrível

Tudo está aparentemente bem nesta manhã ensolarada de segunda-feira, conforme posso ver aqui desta gávea refrigerada de onde vejo só os prédios em frente e a avenida embaixo. Lula eleito, nada muda. Muito trabalho pra fazer, muitas contas pra pagar, o dia que começou cedo já vai longe, depois das muitas alegrias do fim-de-semana. Aquela ausência de sempre teima em se fazer presente. As figuras desagradáveis também. Ainda não comecei a “ver coisas”. Outro dia vi uma notícia no jornal de um recente estudo feito sobre um neurotransmissor, a dopamina, que sempre foi considerada pouco influente no sono, já que sua quantidade não se alterava com o estado de vigília, ao contrário de outros. Experimentando com camundongos transgênicos (sério) os cientistas concluíram que a falta de dopamina pode ser relacionada ao mal de Parkinson, que induz um estado de sono sem sonhos, e o excesso com a esquizofrenia, porque causaria um estado de sonhar acordado, ou seja, a misteriosa matéria do inconsciente, tradicionalmente manifesta nos sonhos, invadiria a realidade do superdopaminado, que passaria a “ver coisas” acordado. Segundo os cientistas, Freud estaria certo, por isso, ao relacionar a loucura aos sonhos. E a imaginação ativa junguiana?

quarta-feira, outubro 25, 2006

Seinfeldiana

É engraçado como quando você vai digitar a sua senha nas leitoras de cartão, ao pagar uma compra, a pessoa que “passa o cartão” ostensivamente olha para outro lado, para deixar bem claro que não tem a intenção de ver o que você está digitando. Mais engraçado ainda é este gesto estranho se incorporar à rotina profissional de uma pessoa, que passa a repeti-lo centenas de vezes por dia.

terça-feira, outubro 24, 2006

Continue remando

Ontem remei com um garotão de vinte e quatro anos, um pouco mais verde no remo do que eu. Remamos dezesseis quilômetros num bom ritmo, uma hora e vinte, um treino pesado, considerando que fui e voltei da raia correndo, o que dá uns seis quilômetros, mais uns quarenta minutos. Hoje remei oito quilômetros com um garotão inteiraço de setenta e oito anos, com a remada forte e a voga baixa, que estava feliz da vida de andar em velocidade mais alta do que a que tem andado ultimamente. Deixamos alguns barcos para trás. Me deu várias dicas técnicas importantes, reproduzindo as frases do seu treinador de sessenta anos atrás, ouvidas em pleno rio Tietê. Amanhã parece que o four encantado, que já teve várias formações fantasmas nos últimos tempos, assumindo até algumas vezes a forma de um quatro sem (aquela história de remos duplos ou simples, o four com duplos, o quatro sem com um por remador), volta a treinar para uma regata que haverá no fim de novembro. Perdi duas oportunidades de regatas. Uma em São Paulo, porque o treinador não queria interferir na disputa entre dois outros clubes, uma questão ética não muito complicada com uma solução evidentemente errada, e outra no Rio, porque não conseguimos treinar o suficiente. Mas não estou nem aí. O legal é treinar.

sábado, outubro 21, 2006

Onan

De ontem pra hoje topei com três cenas de masturbação. A primeira me foi contada por uma professora, de um aluno de sete anos que se esfolava compulsivamente em plena sala de aula por baixo da carteira como se fosse imperceptível, mesmo que às tantas se utilizasse das duas mãos e se chacoalhasse freneticamente. Outra cena ontem, muitíssimo parecida, no filme “A lula e a baleia” – um filme sobre separação muito bom, com ênfase nos filhos – em que um pré-adolescente na biblioteca da escola vê uma menina bonita, saca uma foto de mulher pelada rasgada do bolso, faz o serviço atrás de uma estante e espalha o sêmem pelos livros. Em outra cena beija o armário da coleguinha e depois pincela a porta com suas secreções. E hoje, depois do almoço, assistindo ao chique “LavourArcaica” – me pareceu um pouco pomposo – que começa com uma longa cena do Selton Mello celebrando Onan ao som de um trem que vem vindo de longe, e passa na hora agá. Lembro que a pensão onde André está era realmente perto dos trilhos, mas não lembro da prática do ato solitário. Será que foi insinuada e eu, na minha inocência, não percebi? Não tenho mais o livro pra conferir.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Asno

Lembrando o famoso asno de Buridan, aquele que entre dois montes de feno igualmente apetitosos trava, imagem utilizada para solucionar dilemas morais, determinada a escolha do maior bem ou menor mal, dificuldade semelhante é vencer a inércia, princípio intuído pelo mesmo filósofo bem antes de Newton, que o formulou como a sua primeira lei. Assim como é difícil despir-se para entrar no banho no inverno, é difícil sair do chuveiro. É necessária a aplicação de uma força de caráter, por menor que seja, para vencer a inércia da preguiça, a tendência a ficar como está. Tenho sempre esse dilema moral antes de começar um trabalho: começar ou não começar? Quase sempre, antes de começar um trabalho, daqueles duros, longos e trabalhosos, adio com outras tarefas mais fáceis e rápidas, que existem em quantidade infinita a serem feitas, até o limite máximo da segurança de que pode ser feito no prazo. Esse limite máximo também é mais ou menos móvel, dependendo do estado de espírito. Depois que começo, como quando entro no chuveiro, é agradável, e faz passar o tempo com velocidade. Também é difícil parar. Rever, revisar, melhorar. Não sei se todo mundo é assim, preguiçoso como eu, sempre a lutar contra a inércia, mas aposto que o Buridan era.

terça-feira, outubro 17, 2006

O selvagem da ópera

Estou lendo, já bem adiantado, “O Selvagem da Ópera”, do Rubem Fonseca. É mais uma leitura acidental, de pegar qualquer coisa na estante pra ler antes de dormir. Carrego há muito tempo uma implicância com esse incensado autor, se não gratuita pelo menos exagerada. Li nos anos 80 alguns contos, sem dúvida impressionantes, dos quais não lembro nada, só que me pareceram impressionantes demais. Depois li “A grande arte” e o “Bufo Spalanzani”, e nos dois impliquei com o protagonista masculino, que identifiquei com o autor, e mesmo com os enredos, um pouco afetados, metidos a besta, apesar de reconhecer o grande talento do escritor. “O Selvagem da Ópera”, sobre o Carlos Gomes, tem uma originalidade que muito me surpreendeu e atraiu. É um romance histórico, que é narrado como se fosse um texto básico para roteiristas, ou seja, a história é contada como se o autor estivesse explicando tudo o que os roteiristas precisam saber para fazer um roteiro cinematográfico, considerado a inclusão desta ou daquela cena, prevendo trechos que provavelmente serão cortados, alternando possibilidades biográficas, e louvando as qualidades da história como vocação para o cinema, como o sucesso de Carlos com as mulheres, o que possibilita as tão desejadas cenas de sexo. Como venho de uma leitura de um romance e o roteiro dele tirado, achei uma feliz coincidência. Rubem Fonseca tem uma longa e profícua convivência com o cinema e a tv, e sabe do que está falando. Curiosamente, que eu saiba, “O Selvagem da Ópera”, de 1994, ainda não virou filme.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Aí vai meu coração

Nesse feriado chuvoso, fiquei horas e horas numa rede, lendo o fascinante “Aí vai meu coração”, cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins ao jornalista e escritor Luís Martins. O bordão do título é de Tarsila. A história é surpreendente. Tarsila era dezoito anos mais velha que Luís, com quem manteve uma união por dezoito anos, até que Luís se apaixona por uma sobrinha de Tarsila, por sua vez dezoito anos mais jovem do que ele. A autora do livro é Ana Luísa Martins, filha de Anna Maria e Luís, a partir de cartas que achou em casa. As cartas de Luís às mulheres parece que não foram encontradas, e ele muitas vezes comunicou-se com elas, principalmente com Anna Maria, através de crônicas que publicava nos jornais, em uma linguagem mais ou menos cifrada, também transcritas no livro. Foi acusado de aproveitador pela família de Anna Maria – parentes de Tarsila – que eram contra a união, e até uma boa parte do livro também achei isso. Depois mudei de idéia, tamanho o respeito e a amizade que Tarsila dedica a ele, mesmo após a separação. A história, dessas em que a realidade supera a ficção, já foi comentada pelo Jayme, no “Dito Assim”, já faz tempo.

terça-feira, outubro 10, 2006

Jules e Jim, o filme

Vi finalmente o Jules e Jim, e foi emocionante, depois de tanta preparação, que neutralizou um pouco o meu senso crítico. O modo como os personagens ganharam vida superou totalmente as minhas expectativas. É uma produção barata, de locações simples entremeadas com imagens jornalísticas de arquivo, pra mostrar as viagens de trem, as cidades antigas e a guerra. Os quarenta e quatro anos do filme, referindo-se há quase cem anos atrás, dão a sensação de viagem no tempo, para um outro mundo, onde o presente foi arquitetado e o projeto esquecido. A amizade, o amor e a cultura são os valores em torno dos quais aquelas vidas desprendidas gravitam, e não consigo achar que é um filme ingênuo. É assustador pensar que realmente possa ser autobiográfico, como dizem. A luta pessoal em contraposição à luta coletiva, e a busca dos próprios caminhos sociais, afetivos, e profissionais numa sociedade opressiva. Muito atual.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Reforma

Vi a placa de um escritório de arquitetura no quarteirão detrás da minha casa. Aquela casa era do pai de uma amiga da minha filha mais moça, que a recebeu de herança de uma tia há pouco tempo atrás. Contou isso um dia que foi buscar a filha, e perguntou quanto eu achava que valia. Disse não ter a menor idéia, pois depois de comprar o meu terreno, há quase dez anos, nunca mais me preocupei com essa questão, o que a minha mulher considerou um pouco antipático.

Sempre reparei naquela casa, há tempos meio abandonada, e o seu bom potencial, apesar de dar frente para a uma rua meio avenida, bastante movimentada, graças ao seu grande recuo na frente e à sua entrada pelos fundos por uma agradável rua tranqüila. A primeira idéia de uma reforma lá é a óbvia inversão da frente. A face leste é a da avenida, o que é um desafio. Mas a parte de cima da casa mais exposta ao barulho hoje já está mesmo fechada. Os quartos são abertos para o norte, como na minha casa, o que funciona muito bem.

Em termos ideais deveria se aproveitar a grande tolerância que a autoridade municipal tem hoje em dia com os muros altos, e o caimento do terreno em direção à rua tranqüila, para produzir uma espécie de campana anti-ruído, defendendo a fronteira leste e norte do terreno, e abaixando tanto quanto possível o andar superior, empurrando-o em direção oposta à avenida. O projeto da minha casa tem esta intenção, apesar da rua ser calma na frente e nos fundos, os quartos recuados em relação à grande parede fechada da frente, protegendo do ruído branco de uma outra avenida já um tanto distante, agora muito minimizado pela construção de uns predinhos.

A defesa contra o ruído é sempre difícil, porque ele reflete em tudo e contorna os obstáculos, mas o problema pode ser bem diminuído. Tem muita gente morando nas valorizadíssimas e não tão sossegadas ruas do Jardim América e Europa, e a solução que se dá é a utilização de clima artificial e janelas anti-ruído, o que pra mim é banal e esquisito.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Ainda Jules e Jim


Bom, acabei de ler o romance e o roteiro do Jules e Jim. O roteiro é surpreendentemente fiel ao livro, apenas uma edição com os recursos mais óbvios: a concentração de alguns personagens e fatos, a transformação de alguns pensamentos em diálogos, e algumas inversões de ordem. A intenção de ser fiel ao texto é tanta que a narração em off, um artifício pouco cinematográfico no sentido de ser uma arte essencialmente visual, é utilizada com bastante intensidade. As escolhas necessárias para contar a história da melhor maneira possível, são as decisões do autor. Ao contrário do que me pareceu antes, quando comecei a ler o livro e a narrativa era um cipoal de acontecimentos e pessoas, a vida agitada dos dois jovens em Paris antes de conhecerem Kathe, depois a história encontra o seu eixo no famoso triângulo, e fica muito bem definida. A alemã Kathe vira Catherine, possivelmente por causa da atriz, francesa. Agora, vou ver o filme sabendo exatamente tudo o que vai acontecer.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Textículos


Continua em cartaz no NEXT os Textículos de Antônio Rocco. São seis ou sete peças ou como quer que se chame os pequenos e redondos textos, de situações de alta intensidade, mostrando a vida como ela é, em uma montagem de qualidade. Tudo isso servido rapidamente nos dois pequenos palcos do Cabaré Next, com muita agilidade e sem intervalo. Um programa diferente, barato e divertido, fácil de chegar e estacionar, uma ótima alternativa para a muvuca do fim-de-semana.

terça-feira, outubro 03, 2006

Como disse o Groucho

jamais entraria para um clube que me aceitasse como sócio.

Jules et Magda firent un séjour dans le Midi. Ils envoyrènt à Jim des photos émouvantes qui les montraient comme lunaires et très unis. Jim eut un espoir pour Jules.
Peu de temps après leur retour, Jules dit à Jim :
- J’aime Magda. Mais c’est une habitude. Ce n’est pas le grand amour. Elle est à la fois ma jeune mère et ma fille attentive.
- C’est beau ! dit Jim.
- Ce n’est pas l’amour dont je rêve.
- Sûrement. J l’ai pour Lucie.
Jim se retint de dire : « Parce que vous ne la possédez pas. »
- Et d’ailleurs, poursuivit Jules, je ne pardonnerai jamais à une femme de m’aimer, tel que je ne connais. Cela indique une perversion, un compromis... dont Lucie est exempte. Elle n’accepte pas une parcelle de moi.
- Chaque homme pourrait penser cela, dit Jim.
- Oui... pourrait... dit Jules. Mais mot je le fais.
- Eh bien, dit Jim, c’est héroïque, et respectable. C’est un peu d’un martyr. C’est la clef de votre vie. Si Lucie vous aimait...
- Ele ne serai plus Lucie, dit Jules.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Jules e Jim

Ainda na falando de autoria, romances e filmes, comprei na locadora de vídeo o “Jules e Jim”, uma edição recente que traz o romance original de Henry-Pierre Roche, um autor bissexto, o roteiro – na verdade “decupado”, ou seja, reconstituído a partir do filme acho eu – e ainda algumas resenhas. O romance é um jorro de acontecimentos mais ou menos desconexos, que parece um diário, ou um blog, abrangendo um longo período de tempo, tendo como figuras centrais os dois amigos, Jules, alemão, e Jim, francês, e muitos outros personagens que vêm e vão. Não há propriamente uma história, mas interessantíssimas observações sobre as relações entre os amigos e suas mulheres, baseadas em episódios mais ou menos independentes. Há uma tênue espinha dorsal, mas não sei ainda se se sustenta e se resolve. É daqueles que parece infilmável. Estou curisoso pra ver como o processo acontece. Vou ver o filme por último.