quinta-feira, março 30, 2006

Luvas?


Essa foto é da edição do ano passado, a 151ª, da mais tradicional regata do mundo, conhecida como “the boat race”, travada entre as universidades de Oxford e Cambridge, e assim como o Flaflu é apelidada de Oxbridge. A corrida é disputada no Tamisa e é muito popular, como pode se ver da maçaroca de gente assistindo. É bem, longa, 6.779 metros, bem maior que as provas olímpicas, de dois quilômetros. São remadores peso-pesado, de mais de 1,90 e cerca de 100 quilinhos. E a conta é de 600 remadas. Teremos a próxima no dia 2 de abril. Mas o importante é que, como se vê, nenhum deles usa luvas. O voga que está com o punho do remo azul, pode ter passado o turn-a-grip das raquetes de tênis. Os outros, será que usam Salompas?

Etelvina, acertei no milhar...

Ganhei 241 reais na quadra da mega-sena, e vou continuar a trabalhar.

terça-feira, março 28, 2006

Show me the money

Até uns dois anos atrás, minhas filhas eram grande consumidoras de cds, objetos preciosos e cobiçados, arrancados dos pais, avós, ou adquiridos com a mesada. Há muito tempo que nem passa por suas cabeças comprar os disquinhos. Tudo vem da internet para o itunes, daí para os ipods. Ligam os ipods em qualquer aparelho de som, e está feita a festa. Agora, gastam tudo o que tem em shows. Então, chuto a seguinte análise. Ninguém mais vende disco, porque tudo se pirateia. Assim, os artistas são obrigados a trabalhar, isto é, dar shows, para manter seu elevado padrão de vida. E realmente, o número de atrações nacionais e internacionais em cartaz nessa cidade tem aumentado muito. Não me parece tão injusto assim. Ouve-se a música de graça, paga-se uma fortuna por uma atuação ao vivo. O problema é a ganância dos músicos e produtores. O recente show do Oasis, por exemplo. O empresário constrói um mega teatro, que deve ter custado talvez uma centena de milhões de dólares, com capacidade para 7.000 pessoas, e faz o show no estacionamento, para poder vender o dobro disso em ingressos. Iluminação primária, nada de cenário, sob a desculpa do rock despojado, e toda aquela gente a 120 reais o ingresso na chuva, assistindo uma banda blasé, tocando para si própria, o cantor deixando o palco por longos momentos, ou seja, um desrespeito danado. Agora é o Jack Johnson. Mais acústico impossível, o cara é quase um João Gilberto, canta baixinho suas gostosas baladas, e vai dar um show na praça da apoteose do Sambódromo, a trocentos reais o ingresso, todos já esgotados, para zilhares de pessoas. Nada contra o artista ganhar bem com seu trabalho. Mas podia tratar bem o seu público, e por esse preço dar o show durante quatro ou cinco dias num lugar quatro ou cinco vezes menor, e um dia em um lugar enorme a preços populares, para ser um pouco mais honesto no negócio. O problema é que o gigantismo do mercado torna a demanda ilimitada, e o público fica dependendo só dos escrúpulos do artista e os empresários. E a molecada que se foda.

segunda-feira, março 27, 2006

Gripe portuguesa

Convivi com alguns gripados a semana passada, e como previsto sexta-feira amanheci com a boca irritada. É o primeiro sintoma, e eu sabia o que viria depois. À noite a moleza característica já me atingia, e o ardor da mucosa evoluíra para uma leve dor de garganta, que borrifei com um spray de própolis. Tomei um desses combinados que combatem sintomas (paracetamol, maleato de clorfenamina e cloridato de fenilefrina, contra coriza, febre, cefaléia, e dores musculares), e fui a uma festa, um pouco constrangido de contaminar os outros com o vírus. Ainda tomei bebidas geladas. Fui dormir tarde e com a garganta um pouco afetada. De manhã tomei outro dos combinados e fui fazer esportes, porque equipes amadoras são muito frágeis e sensíveis a faltas. Voltei e me entreguei à terapia de raios catódicos, e até escapei de um aniversário de criança. Passei o dia inteiro na cama, com a mesma medicação, própolis e os combinados. À noite começaram uns ataques de espirros espasmódicos, com a conseqüente coriza. De manhã fiz esporte novamente, e voltei aos raios catódicos. Depois do almoço, em atitude totalmente incivil, fui à Estação Luz da Nossa Língua, misto de exposição, museu e parque temático muito bem instalada na Estação da Luz, um espetáculo multimídia que é uma verdadeira injeção de informações sobre o nascimento e desenvolvimento da última flor do Lácio, esse latim falado pelos legionários romanos quando estavam bêbados, e suas miscigenações e manifestações artísticas em todos os tempos. O máximo. Hoje de manhã os sintomas continuam sob controle e mantenho a terapia, ainda que com algumas reservas sobre os efeitos nocivos do paracetamol no meu bem rodado fígado. Se nenhuma bactéria oportunista se instalar nas minhas aerovias, à noite devo estar livre do ciclo do vírus e os seus desagradáveis sintomas.

sexta-feira, março 24, 2006

Mora na filosofia

Tudo começou com o “Julie is her name”. Julie London, a atriz loira gostosa atriz desempregada que ia matar o tempo cantando nos botecos de Hollywood, acompanhada de uma guitarra e um contrabaixo. A voz de contralto quase sussurrada, de afinação e ritmo impecável, e a expressão simpática e risonha (sim, é fácil perceber quando quem canta está sorrindo). Um produtor viu, se apaixonou, casou com a moça e produziu o LP, logo no começo do som estéreo, com um dos melhores guitarristas da praça, contrabaixo idem. Encomendou uma composição especialmente para ela, que veio a ser nada menos do que “Cry me a river”. Sucesso total, logo veio o “Julie is her name 2”, igualmente magnífico.

Um trompetista caipira, de nome Chet Baker, que estava começando a bombar na costa leste, e gostava de cantar, ouviu e imitou. Gravou um disco com a mesma formação, alternando trompete com o vocal, e algumas das mesmas canções. É o “Embraceable you”, igualmente genial, ainda que o som da guitarra, e a qualidade da gravação não chegue no dedinho do pé dos da Julie.


Um baiano maconheiro, cansado de gritar nos conjuntos vocais tipo quatro ases e um coringa, percebeu que cantada se faz falando baixinho, ouviu esses discos, baixou o volume e limpou a batida, e inventou a bossa-nova, que depois reinventou o jazz da costa leste.

Um outro baiano magrinho, ouviu todos eles e fez lá também o seu arrulho, muito bem aceito e cotado. Um desavisado que ouvir o “Embraceable you” vai achar que o Chet Baker, jovem e de voz limpa antes da detonação total, imitava o Caetano. A semelhança de timbre é surpreendente. Eu tinha todos esses discos, mas como eu sou um relapso, fui deixando por aí, na mão até de quem não merecia (opa, isso dá samba). São teorias do Ruy Castro, se não têm um fundo de verdade são muito bem chutadas.

Fumantes ou não fumantes?

Lembro muito bem como parei de fumar, há pouco mais de cinco anos. Eu estava chegando aos dois maços por dia, e a vida sem tabaco me parecia totalmente sem sentido. Seguindo uma orientação que tinha lido em algum lugar, marquei uma data distante, um ano e meio, ou dois, e quando chegou parei abruptamente, sem qualquer preparação. Foi num sábado. No domingo, lá pelas seis da tarde, não agüentei, e acendi um cigarro. Dei umas duas tragadas, e tive o estalo de inteligência: “se eu não parar de fumar, não vou parar de fumar”, e apaguei o cigarro. No dia seguinte, estava na porta do prédio esperando um amigo para almoçar, e comecei a enlouquecer de abstinência. Lembrei dos chicletes de nicotina, fui até a farmácia, comprei uma caixa, logo enfiei um na boca e masquei com sofreguidão. Deu uma overdose, com um forte travo na garganta. Só depois fui ler a bula, e descobri que cada pastilha tem a nicotina de muitos cigarros, e deve ser mascada aos poucos, guardando embaixo da língua. Usei o tal chiclete uns quinze dias, e ajudava a racionalizar que não estava sentindo falta da droga em si, mas apenas do gesto do cigarro. Depois de um mês, o desespero foi passando. Daí, de vez em quando, fumava um charuto. Parei com os puros porque era bom demais, e a convivência com a nicotina me preocupava. Aquele papo do AA, ainda sou um viciado. Depois de um almoção com vinho, o charuto com um digestivo me fazia levitar como a lagarta da Alice. Depois de seis meses não sentia mais nem vontade. Às vezes ainda brinco com um cigarro, mas agora não consigo mais tragar. É como se livrar de qualquer paixão.

quinta-feira, março 23, 2006

Chulé

Na tal foto tirada com o Dudi que está no Frankamente e no Carne Crua, dá pra ver no dorso da minha mão uma mancha escura ovalada. Como vocês sabem, tenho praticado remo. O ano passado não usava nenhum tipo de proteção para as mãos, e fiquei com calos por toda a palma e na face interna dos dedos. Quando saí de férias, fiquei duas semanas sem remar e os calos sumiram. Ao voltar, percebi que arrebentaria toda a mão, e comecei a usar uma luva de musculação de neoprene, a primeira coisa que encontrei. Ela tem um fecho de velcro, que deixa um vazio ovalado no dorso da mão, o que produziu a tal mancha. Embora eu reme mais ou menos cedo durante a semana, a repetição e o sol forte dos sábados e domingos deixaram a marca. Mas o pior não é isso. Suo uma monstruosidade quando remo, e fico literalmente encharcado. Boa parte desse suor escorre pelos braços e vai se alojar no neoprene, que é uma esponja. Todo o dia eu lavo a luva, mas não adianta, essa convivência com o suor deixou a luva com chulé, que passou para a mão. E por mais que eu lave a mão, o cheiro não sai mais. Minha mão agora tem chulé. Vai encarar?

quarta-feira, março 22, 2006

Qual é o animal que pensa que já não vale mais?



Ontem um amigo me disse que eu estava mais morto do que vivo, e se ofereceu para cravar uma estaca de madeira no meu peito e acabar com a agonia. Não sei de onde ele tirou essa idéia. Outra disse hoje que não queria compartilhar da mistura de fantasia e realidade que eu faço do meu cotidiano. Será que os dois estavam dizendo a mesma coisa? Será que eu já estou em outro planeta e nem notei? Será que eu já fui?

segunda-feira, março 20, 2006

Nelson Freire

Assisti ontem o documentário do João Moreira Salles sobre o Nelson Freire. É uma história inusitada e emocionante, de uma criança que quase não sobreviveu, teve uma infância difícil e doente, e aliando um enorme talento a uma vida reclusa e protegida em função da saúde, foi criança prodígio, e continua prodigioso até hoje. Claro que o prodígio impressiona, mas mais do que isso o amor que teve dos pais, que depois de conseguirem que sobrevivesse fizeram as difíceis escolhas necessárias para que o seu talento fosse bem aproveitado. E aos quinze anos, na Europa, conheceu a mulher da sua vida, Martha Argerich, também pianista, com quem está até hoje. Legítimos psitacídeos. As cenas da intimidade do casal são tocantes. Muito significativa também sua branda reclamação contra o estrelato criado pelo público e a mídia, que só atrapalha a música. O repertório, além dos grandes concertos românticos de Rachmaninoff e Brahms que não me interessam muito, na onda do estereótipo do virtuose, contém peças delicadíssimas como “El Bailecito” de Guastavino e uma ária de “Orfeu e Eurídice” de Gluck transcrita para piano que eu nunca tinha ouvido, do repertório de Guiomar Novaes, uma das grandes referências do artista, e ainda a Dança da Fada Açucarada, da Suíte do Quebra Nozes, do Tchaikovsky, bastante manjada mas que pra mim tem um sentido especial. É a história de um artista sortudo.

sábado, março 18, 2006

Diminutivos

A menininha que balança no pequeno jardim da rua tranqüila, ouvindo uma ária de ópera que vem de algum vizinho, entretida com o prazer do ventinho e a previsibilidade da oscilação no friozinho do estômago, me dá a impressão de que para estar vivo precisa muita vontade. Não vontade no sentido do querer, mas a vontade além da compreensão humana, a vontade de um cometa que risca o céu pra ninguém. A vontade que vence a inércia e provoca o movimento, a vontade de interferir na paisagem e rearranjar um pouquinho todas as forças do universo com sua simples presença. A vontade de estar aqui conosco, seus iguais.

O four

O four skiff é um barco de 13,40 metros, movimentado por quatro remadores com dois remos cada um, que pesa um pouco mais de cinquenta quilos. Comecei a treinar em um hoje, na posição do proa. Sou o responsável pela direção do barco. O ritmo é ditado pelo voga, que é o que vai mais a ré, e é a posição mais importante. Fazendo mais força à bombordo (direita de quem da proa olha a ré), ou boreste, corrige-se o rumo do barco. Mas também há um pequeno leme que comando através de um sistema de arames com meu pé direito, com curso mais ou menos de uns dez graus para cada lado. É claro que a resposta é lenta. São barcos feitos para navegar em linha reta, estreitos e compridos. O remo é um esporte de um só movimento repetitivo, que utiliza todo o corpo. O controle desse movimento demanda bastante concentração, pois há várias possibilidades de erro. Sentado num banco móvel, um carrinho sobre trilhos, leva-se o corpo à frente até flexionar completamente os joelhos. Ao mesmo tempo, o punho dos remos parte de uma posição em que estão unidos, punho sobre punho, braços esticados, e conforme se vai à frente os punhos vão descrevendo dois arcos que se afastam, e quando se chega à posição em que os joelhos estão completamente flexionados os braços estão o mais afastados possível. Encaixa-se as pás na água, e com os braços esticados, estica-se as pernas. Quando as pernas estão completamente esticadas, acaba o curso do carrinho e aí flexiona-se os braços, chegando os punhos até o peito, e a remada se completa. Ato contínuo, abaixa-se os punhos levantando-se as pás da aguá e estica-se rapidamente os braços, ao mesmo tempo em que quebra-se as munhecas, deixando-se as pás na posição horizontal para reduzir a resistência do ar, e assim retorna-se à posição original e completa-se o movimento. Quanto mais precisão, menos desperdício de energia, mais equilíbrio e velocidade. Qualquer erro na altura dos punhos, por pequeno que seja, inclina o barco e um atrapalha todos. Um barco que balança deixa as costas em pandarecos. Encaixar o controle do leme com o pé nessa rotina, pra mim, que nunca tinha usado um, não foi nada fácil. Dá aquela sensação de estar no banco do carona apertando os pés contra o assoalho para dirigir o carro. Ou mover o corpo ao jogar videogame para interferir na trajetória do carrinho do supermário. Errei bastante, e toda vez que o técnico vinha com seu motor de popa e megafone atrás de nós, era comigo que ele gritava. Mas em alguns momentos tudo se encaixava e estar na proa, vendo os oito remos sincronizados, dava a sensação de ser uma lacraia andando sobre as águas.

sexta-feira, março 17, 2006

Disfarça

É uma pena que contar histórias da vida de amigos, clientes e fornecedores seja proibido. É o que há de mais interessante pra compartilhar com os amigos, as aventuras ricas e interessantes que por um motivo ou outro temos acesso, e, como dizem, a realidade sempre supera a ficção. Por mais que o ficcionista tenha a liberdade de alinhar os astros de seus personagens a serviço da história, ele tem os limites da verossimilhança, que as histórias reais violam sem pudor nenhum. Conheço muitas histórias, que se fossem ficção, seriam consideradas de má qualidade, de tão inverossímeis. E gostaria de contá-las sem maldade, sem julgamentos, com todos os seus ricos e necessários detalhes, e esse é o obstáculo, pois permitem a identificação dos personagens. A maioria delas motivada por pura admiração. Muitas das minhas já contei aqui. Dizem que o Somerset Maugham queimou o filme dos amigos em seus romances. Ninguém gosta de ter sua vida privada exposta.

quarta-feira, março 15, 2006

Hino do blogueiro

Elvis Costello

Everyday I Write the Book

Don't tell me you don't know what love is
When you're old enough to know better
When you find strange hands in your sweater
When your dreamboat turns out to be a footnote
I'm a man with a mission in two or three editions

[Chorus:]

And I'm giving you a longing look
Everyday, everyday, everyday I write the book

Chapter One we didn't really get along
Chapter Two I think I fell in love with you
You said you'd stand by me in the middle of Chapter Three
But you were up to your old tricks in Chapters Four, Five and Six

[chorus]

The way you walk
The way you talk, and try to kiss me, and laughIn four or five paragraphs
All your compliments and your cutting remarks
Are captured here in my quotation marks

[chorus]

Don't tell me you don't know the difference
Between a lover and a fighter
With my pen and my electric typewriter
Even in a perfect world where everyone was equal
I'd still own the film rights and be working on the sequel

[chorus]

terça-feira, março 14, 2006

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades




Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

segunda-feira, março 13, 2006

Me Tarzan, you Jane


A árvore é um grande plátano (platanus x acerifolia, uma espécie híbrida que chegou à região sul com os imigrantes italianos, ainda no século 19, fruto do cruzamento espontâneo da árvore européia com a canadense), de copa bem aberta com uns vinte metros de altura, uma forquilha baixa em quatro ou cinco longos troncos retos de inclinações variadas. O arquiteto alemão, descoberto em uma revista estrangeira e contatado por e-mail, pendurou em cada um desses troncos, a uns dez metros de altura, quatro ou cinco cabos de aços protegidos por tecido – para não machucar a árvore – que sustentam uma plataforma de madeira que rodeia os troncos, cercada por um guarda-corpo de inox e madeira, à qual se tem acesso por uma estreita e inclinada escada de madeira. Nada perfura os troncos. Da plataforma, uma pequena escada leva à casa-na-árvore, uma caixa de madeira assimétrica, um dos lados terminando em bico como um barco, com várias janelas de vidro, uma no teto. A caixa é sustentada por sete tubos de inox de umas três polegadas de diâmetro, cinco ou seis metros de altura, levemente inclinados também assimetricamente, amarrados à caixa por grandes dobradiças de inox, iguais às que estão do lado oposto, embaixo da terra, presos a uma sapata de concreto. Todo o conjunto tem uma movimentação arbórea. Por dentro, parece um barco, com uma grande cama de cabine de proa no lugar do bico. Tem um home-theater com uma grande tela de plasma, e foi apelidada pelo arquiteto de James Bond Tree House.

sexta-feira, março 10, 2006

quinta-feira, março 09, 2006

Ops, foi ontem?

Pra falar a verdade eu implico um pouco com o dia internacional da mulher. Tá certo, eu sei que a mulher carrega algumas desvantagens em relação ao homem mesmo nos países mais avançados, e sofre algumas formas de subjugação sérias nos mais primitivos. Sei também, que na lei brasileira, as últimas primazias do homem em relação à mulher, como cabeça do casal, terminaram somente com a constituição de 88. O dia 8 de março seria então um dia dedicado à reflexão sobre os problemas ainda existentes, a sua solução, e a comemoração dos avanços alcançados. Mas a cada avanço na condição feminina, não há uma complicada acomodação masculina? Não há uma série de efeitos imprevisíveis que afetam ambos os gêneros? Afinal os problemas da condição feminina não são problemas de ambos os gêneros, indissoluvelmente ligados e misturados? É, pra mim, comemorar o dia internacional da mulher é uma forma de olhar só metade do problema, o que não pode ajudar na sua solução.

quarta-feira, março 08, 2006

Faca se vende

Faca coqueiro

Jaime Caetano Braum

Cabo de madeira branca
E a folha de palmo e meio,
Esta faca que palmeio
Sovando uma palha buena
Larga, assim como novena
Nas festanças do Divino
Foi presente do Galdino
Filho de Dona Pequena!

Na prancha meio azulada
Deste regalo campeiro
Está gravado um coqueiro
Assim como um distintivo
Que me faz lembrar, altivo,
O charrua melenudo.
Bombeando longe, sisudo,
O velho solo nativo!

É nesse ferro crioulo
Que o meu fôlego embacia,
A cancha reta bravia
Por onde o fumo se espalha,
Com ele eu ajeito a palha,
Longueio, e, aparo crina,
E a barba, pra ver a china
Quando não tenho navalha!

Quando corto meu churrasco
Deixo branqueando o espeto,
E se na encrenca dos meio
Não sobre garrafa inteiro
Pois este ferro campeiro
De ponta como de prancha
Tem mania de abrir cancha
No costilhar do parceiro!

Por isso é que ao te palmear,
Sovando a palha de milho
Eu sinto, ó rude utensílio
Que muito primeiro que eu
O guasca já te benzeu
Quando num berro de touro,
Junto ao "bendito"de couro
Nalgum rival te embebeu!

E ao te arrancar da bainha
De ponteira reforçada
Evoco a rudez passada,
De teu áspero trajeto
Quando o xiru analfabeto
Contigo de companheira
Nas andanças da fronteira
Lonqueava o nosso dialeto!

Traste mil vezes relíquia
Por ser presente de amigo:
Hei de levar-te comigo
Sempre ao alcance do braço
E acolherar no teu aço
O presente e o passado
Até que pranche enredado
Por algum "seio de laço"!

E fica certo, Galdino
Ao te agradecer de novo,
Que no singelo retovo
Do meu gauderiar sem norte
Esta faca enquanto corte,
Até os últimos momentos,
Há de estar lonqueando os tento
Da nossa amizade forte!

(Cortes, J. C. Paixão. "Gaúchos de faca na bota ".)

Galdino, te devo uma moeda.

terça-feira, março 07, 2006

Oxímoro

Detratores comedidos em particular criticaram severamente minha ignorância sobre o nobre esporte do nado sincronizado. A sincronia é com a música, o que torna perfeitamente possível o solo sincronizado. Dei uma rápida pesquisada e é verdade. Mas eu continuo achando absurdo. Pra mim a essência da coisa sempre foi fazer tudo igualzinho, no mínimo em duas, e realmente não me lembrava de ver alguma prova de solo. Existe desde a primeira competição olímpica, em Los Angeles, 1984, embora a prova de solo tenha sido incluída nas competições em 1950. Muito posteriormente à Esther Williams, portanto, e assim mantenho a desconfiança. Não estou sozinho na minha impressão, como se vê de um comentário que achei num site especializado: “Some have objected that "solo synchronized swimming" is an oxymoron, since it takes two to synchronize. In fact, the performance is synchronized to music, not to another person's movements.” Pra mim é conversa fiada. Começou com a sincronia de nadadores entre si, ao som de música. Depois, resolveram criar a categoria solo, e era tarde demais para mudar o nome para “nado rítimico”, ou “nado artístico”, e inventaram essa balela de que a sincronia é com a música.

domingo, março 05, 2006

Soneto CXVI

Assisti o “Razão e sensibilidade”, filmão dirigido pelo Ang Lee sobre a obra da Jane Austen, com Emma Thompson (que também fez o roteiro), Kate Winslet, a figura de proa daquele transatlântico, Hugh Grant, e o Donald Shuterland (o Mr. Bennet do “Orgulho e preconceito”), e já que ninguém me ajudou, sou obrigado a rever minha posição sozinho. Há algo de inconformista e revolucionário em Jane Austen sim, ao contrário do que eu disse antes. Dos elementos deste outro romance, muito semelhantes aos do “Orgulho e preconceito”, repete-se questão do sistema hereditário da época, a virada do século XVIII, que possivelmente para concentrar o patrimônio vinculado ao nome da família, valor maior do que os seus membros, orientava a sucessão ao primogênito homem. Em “Razão e sensibilidade” o temor da situação contornada em “Orgulho e preconceito” acontece, e a segunda esposa e filhas de um rico senhor são arremessadas à miséria com a sua morte, sendo expulsas da casa de toda a sua vida pelo meio irmão e sua esposa megera. Num mundo de quase nenhuma mobilidade social, onde os homens sem fortuna de nascimento tinham uma pequena chance de ascensão na guerra, no comércio, ou nas colônias, ou deviam se contentar em prestar serviços aos nobres como médicos, notários, advogados e sacerdotes – e isso se tivessem pedigree mínimo para conviver com os ricos na sala de estar, e não na cozinha – , as mulheres não tinham chance alguma. Sem dote, ainda que fossem gostosas e prendadas nas artes, estavam condenadas a uma existência miserável. E pelo menos este pilar do sistema, talvez o que mais tenha lhe afetado diretamente a vida, Jane Austen atacou com violência e precisão, ainda que sob uma roupagem açucarada de histórias de amor com final feliz. Precisei de duas pra perceber.

Mudou alguma coisa? Mudou. Hoje, golpes do destino criam novos poderosos e novas fortunas todos os dias. O nosso presidente operário que o diga. Desde que me conheço por gente, em grandes pinceladas, vi uma nova elite ser criada na ditadura militar, com as grandes empreiteiras, mineradoras, e associações com mutinacionais; outra no reinado de Fernando Henrique, com as privatizações e a reestruturação do sistema financeiro; e agora outra tentativa ainda não consolidada, com um pouco menos de elegância, no governo Lula, que certamente se completará em um segundo mandato. É a velha história. A criação de uma fortuna é sempre um pouco mal-cheirosa, salvo raras exceções, e o odor vai passando com o tempo, até se tornar dinheiro velho e respeitável, atrelado a boa cultura e boas maneiras, o que acontece cada vez mais rápido, devido à facilidade de acesso à informação. E o criativo revolucionário enriquecido se torna um empedernido conservador.

E como se transcende a roda da vida, a prisão material identificada pelos budistas? Se ausentando do mundo? E aí está a segunda lição revolucionária de Jane Austen: o amor, como também apontam Saramago, Nelson Rodrigues, Vinicius, e tantos outros. É a grande referência de orientação do homem civilizado, a estrela que orienta a navegação através da existência, como no Soneto CXVI de Shakespeare, declamado em dueto por dois personagens de “Razão e sensibilidade”, os mais sem razão, e cheios de sensibilidade:

Let me not to the marriage of true minds
admit impediments: love is not love
wich alters when it alteration finds
or bends with the remover to remove

O, no, its an ever-fixed mark
that looks on tempests and is never shaken;
it is the star to every wand’ring bark,
whose worth’s unknown, although his height be taken.

Love’s not Time’s fool; though rosy lips and cheeks
within his bending sickle’s compass come,
Love alters not with his brief hours and weeks,
but bears it out even to the edge of doom.

If this be error and upon me proved,
I never writ, nor man ever loved.

sábado, março 04, 2006

Corte sincronizado

Hoje de manhã fui ao clube. Deixei o “Orgulho e preconceito” na biblioteca e fui ao barbeiro. É um tubo estreito e comprido que fica ao lado do grande e bem montado cabelereiro feminino. O barbeiro é um sujeito alto e obeso, cuja enorme barriga o impede de chegar perto da cadeira, então ele é obrigado a trabalhar com os braços levantados e esticados, o que o deixa um tanto ofegante e suarento. É a terceira vez que corto o cabelo lá, e nas três foi igual. Cheguei, ele estava com um cliente na cadeira, um esperando, e me disse para por o meu nome numa lista, porque o seu colega estava doente e não tinha vindo trabalhar. Já estou achando que esse colega é um amigo imaginário. A lista era uma folha em branco com um só nome escrito. Escrevi o meu nome e fui checar as leituras. Um Estadão do dia, uma revista Época na mão do outro cliente que esperava, um Super-Homem velho, e uma Caras com uma criativa montagem mostrando o Mick Jagger espiando da janela a Luciana Gimenez na piscina do Copacabana Palace com o noivo. Optei por mandar um e-mail desnecessário pelo celular, tarefa que preenche bem o tempo. Logo o cliente que esperava foi atendido, e o corte, à máquina, foi rápido, pois ele era quase completamente careca. O barbeiro foi checar a lista e procurou o cliente anotado pelo exíguo recinto, abriu a porta, olhou para os lados, apregoou o seu nome no corredor, e justiça feita, me convocou para a cadeira. Peguei o caderno de esportes do Estadão, atraído por uma manchete da primeira página sobre um título sul-americano conquistado por uma brasileira em solo no nado sincronizado. Esquisito, sincronizar-se consigo mesma. A matéria confirmava a manchete sem nenhuma explicação ou surpresa. Não pude deixar de fazer uma relação com a cadeira vazia do colega imaginário do barbeiro. Seria ele um duplo gordo ou seu contrário magro? A sincronia seria idêntica ou invertida como a imagem do barbeiro refletida, uma alucinação causada pelo trabalho solitário frente o espelho? E não pude impedir de formar-se na minha mente a visão daquela enorme morsa em evoluções sincronizadas de Esther Williams, com um maiô de frufrus, ao som de um grande coral feminino. Tudo isso por quinze reais.

sexta-feira, março 03, 2006

Weeds

Ontem acordei no meio da noite, liguei a tv sem som, e dando uma zapeada caí num programa muito estranho, que depois no intervalo soube que era a série “Weeds”, que passa no GNT sei lá em que horário. Pura apologia da erva, mas tem situações muito engraçadas. Pelo que eu entendi, há uma branca, magra e anglo-saxônica, como qualifica sua empregada latina, para quem bastariam essas características para que ela não tenha problemas de dinheiro. Na verdade não é bem assim. Ela perdeu o marido, e virou, não sei como, a “Baronesa da Erva”, atividade que ela exerce no seu bar ou restaurante, em sociedade com traficantes negros. O seu filho de onze anos procura chamar sua atenção produzindo vídeos estilo terrorista, com saco de papel na cabeça, decapitando reféns (a irmãzinha) em frente às câmeras, se suas exigências não forem atendidas. O filho de 16 tem uma namorada que não fala, só digita o que quer dizer no computador porque “I h8 my voice”. E todo mundo fuma maconha e trepa. Um cunhado ou irmão da Baronesa que mora lá liga a uma amiga dizendo que acabou de romper com a namorada. Quando ela chega, lamenta a perda do sexo desinibido e sem limites proporcionado pela erva, uma verdadeira experiência tântrica. Ela concorda e confidencia que só goza quando fuma. É apologia ou não é? Uma amiga da empregada latina diz que sua patroa é traficante, e depois de revirar a casa, acha a droga dentro de um travesseiro, e quando a Baronesa volta da noite de negócios, entrega-lhe o travesseiro, deseja-lhe bons sonhos, e exige um aumento. Outra cena hilária é a Baronesa fazendo negócios com um traficante negro, gangster estereotipado, e começa a conversar de filhos e sua solidão com a perda do marido.

quinta-feira, março 02, 2006

Lost in translation

Em uma aula de inglês, alunas e professora, só mulheres de idades variadas, começam a discutir cirurgia plástica, e a conversa vai parar no “boob job”, o famigerado implante de silicone no peito. Uma aluna faz um aparte, pedindo esclarecimento sobre o que seria então o não menos famoso “blow job”. A professora esclarece de modo oblíquo, com duvidoso bom gosto, que seria uma das metades do “69”. E emenda contando um fato pitoresco protagonizado por ela.

Antes de vir para o Brasil com a família, esta inglesa exerceu por algum tempo sua profissão em Portugal, o que a nossa burocracia não permitiu que fizesse aqui. E aconteceu que calhou dela sair, numa espécie de encontro arranjado, com um famoso piloto de corrida. No dia seguinte, o escritório em peso a esperava pra saber como decorrera o programa. E ela singelamente disse que o jantar tinha sido muito agradável, o tal piloto muito gentil, e até havia lhe dado um broche. E estranhou quando todos, secamente, viraram as costas e voltaram ao trabalho, sem dizer nada. Uma que era mais sua amiga, chegou perto e pediu esclarecimentos: “Mas como assim, um broche?” E a professora mostrou um “pin” da escuderia. Imediatamente a amiga bradou a todos: “Pessoal, está tudo bem, ele deu um pino a ela!”. E caiu na gargalhada. Depois explicou que em Portugal “dar um broche” é a outra metade do “69”.

quarta-feira, março 01, 2006

Praejudicium


A começar pelo título, “Orgulho e preconceito”. Primeiro, percebe-se que “prejudice”, no romance, é utilizado tanto no sentido de juízo precipitado, antecipado, ou seja, pré-juízo, como também no sentido de preconceito de classe. Acho engraçado que exatamente a mesma raiz latina tenha originado dois significados tão diferentes em inglês e português. Prejuízo nada tem a ver com preconceito, mas com dano, perda. Como diz o Saramago, as palavras estão sempre a mudar de opinião.

Mantenho o meu pré-julgamento. É uma obra conformista, que a despeito da crítica individual aos personagens, quase todos, nada encontra de errado na forma como a sociedade em que se ambienta a história está estruturada. Orgulho e preconceito são defeitos individuais, e não mazelas sociais, na visão da autora. E a redenção das heroínas se dá através do reconhecimento pelos superiores de suas qualidades individuais, que as levam a casar com ricos, em clássico final feliz. Mas critica-se o gênero humano e para um romance, está mais do que suficiente.

O senso de humor do Mr. Bennet é excelente, invertendo sempre o sentido de suas ponderações, o que Elizabeth sempre entende e corresponde. As sutilezas dos diálogos e das análises das situações são de grande precisão e refinamento. E o enredo, baseado em grandes erros de avaliação causados por julgamentos precipitados, principalmente por parte da personagem central, Elizabeth, surpreende e prende a atenção, ao mesmo tempo que dá grande amplitude aos personagens, ao permitir leituras complexas e contraditórias. Depois de ler o livro, o filme cresceu muito aos meus olhos.